ESCOLA PLURAL

ESCOLA PLURAL: DIREITO A TER DIREITOS

ORIGEM DO PROGRAMA
Ao longo de alguns anos, especialmente a partir de 1988, a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte se viu envolvida num processo de transformação de sua prática pedagógica, através da construção, em algumas de suas escolas, de projetos político-pedagógicos que buscavam, entre outras prioridades, construir, no âmbito interno da instituição escolar, experiências que transformassem o cotidiano vivenciado na escola. Tais projetos procuravam, de um lado, garantir a autonomia da instituição em relação aos métodos e procedimentos considerados mais adequados ao contexto vivenciado e, por outro lado, buscavam equacionar a tarefa pedagógica às necessidades e condições dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, o projeto político pedagógico se mostrou um elemento vivificador do cotidiano escolar na medida em que alimentava as reflexões de professores , alunos e pais sobre a prática pedagógica que ali se realizava e sobre o compromisso da instituição com a educação pública, gratuita e de qualidade.

Esse movimento, em paralelo a uma grande expansão da Rede Municipal tanto em termos de número de alunos atendidos quanto em relação ao número de escolas criadas, beneficiou-se do amplo debate sobre educação que se fazia presente desde os anos 70 e que forneceu elementos significativos para a renovação pedagógica que se construía no âmbito do município.

As experiências acumuladas nesse processo possibilitaram - e até mesmo exigiram - a formulação de uma proposta que instituísse, no âmbito da educação municipal, um conjunto de princípios que sustentasse de forma clara e consistente as diretrizes políticas e pedagógicas para a Secretaria Municipal de Belo Horizonte. Essa proposta denominada Escola Plural, ainda sob a forma de uma experiência, autorizada pelo Conselho Estadual de Educação, começou a ser implementado em 1995, nas 173 escolas da Rede Municipal de Educação do município de Belo Horizonte. O processo de implantação do programa se deu gradativamente, envolvendo, no período de 1995 e 1997, aproximadamente 146.600 alunos de Pré a 8ª séries e 9.700 profissionais da Educação incluindo professores, diretores, coordenadores pedagógicos e secretárias escolares.

Ao longo desses anos, a Secretaria Municipal de Educação, através dos seus diferentes órgãos, grupos de trabalho, equipes pedagógicas, Diretorias de Educação das Regionais, escolas, professores e demais profissionais de educação, desenvolveu um conjunto de ações visando a implementação da proposta e produzindo, a partir daí, profundas alterações na organização das instituições escolares, buscando instaurar uma nova cultura escolar tanto no que diz respeito às relações institucionais e práticas pedagógicas quanto no que tange às dimensões administrativas e materiais. Ao mesmo tempo, as ações desenvolvidas procuravam equacionar questões relativas à formação dos professores, desenvolver aspectos relacionados ao conhecimento a ser construído pelos educandos no seu processo de escolarização, bem como enfatizar elementos constitutivos da experiência escolar não redutíveis à dimensão cognitiva ou às definições de legitimidade da cultura escolar tradicional.

Em todo esse processo, a ênfase recaía sobre a necessidade de eliminar os mecanismos e procedimentos que, sob as mais variadas formas, produzem, no interior da escola, a exclusão social e cultural de grupos de alunos. Nesse sentido, além de submeter o cotidiano escolar a uma crítica sistemática e objetiva, buscando torná-lo includente e, assim, mais democrático, tornou-se necessário ressignificar os processos de avaliação até então existentes, que se revelaram geradores da exclusão, especialmente sob as formas de retenção e de evasão dos alunos.

Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação (SMED) prossegue na implementação do Programa pensando seus eixos, geradores de matrizes para a definição da política educacional do município de Belo Horizonte, traduzindo-os, assim, em, proposta de política pedagógica para as diferentes modalidades de ensino ministradas pela Rede Municipal de Educação, bem como para as diferentes dimensões da ação política da Secretaria de Educação de Belo Horizonte. Ou seja, a SMED vem buscando explicitar, a partir dos eixos norteadores da Escola Plural, os princípios fundamentais da política educacional, traduzindo-os em estratégias e ações adequadas à consecução dessa política.

CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA DA ESCOLA PLURAL
O Programa da Escola Plural baseia-se em dois princípios fundamentais - o direito à educação e a construção de uma escola inclusiva - a partir dos quais articulam-se eixos norteadores.
O direito à educação
Há décadas inscrita como direito social no País, a educação vem sendo denegada nas práticas sociais cotidianas que fazem da lei um estatuto inócuo do ponto de vista dos setores excluídos da sociedade. Essa denegação se realiza tanto do ponto de vista da inexistência de vagas na rede pública - sobre a qual a ação desencadeada pela definição constitucional de 1988 tem produzido efeitos positivos - quanto, especialmente, sob o ponto de vista de qualidade da escola oferecida ou dos mecanismos sociais internos ou externos à instituição escolar, que acabam por produzir a exclusão de amplos setores da população do saber produzido pela escola.

Assim, no estabelecimento de estratégias políticas que garantam o direito à educação, não basta proporcionar a universalização do acesso à escola, mesmo que essa estratégia se mostre fundamental em determinadas áreas da nossa cidade que ainda necessitam da expansão da rede física em termos de ampliação e/ou construção de escolas. É preciso também adotar mecanismos que racionalizem e publicizem a oferta de vagas, que efetivem a inclusão à escola de crianças e adolescentes que se encontram sem atendimento escolar numa ação conjunta e sistemática com os Conselhos Tutelares e os órgãos de proteção à infância e adolescência. É imprescindível ainda criar políticas de suporte às famílias cuja adversidade social lhes possibilite construir o valor social da escola, na sua dimensão emancipatória, como é o caso do Programa Bolsa Escola, em implantação em Belo Horizonte.

Mas, é preciso ir além, pois, é no âmbito da própria internalidade da escola - ou seja, na formulação da sua proposta pedagógica - que a instituição escolar pode se tornar, ela mesma, expressão do direito à educação e forma ativa de combate aos mecanismos cotidianos que, no interior da prática pedagógica, denegam o próprio direito que a constitui como instituição social. Assim, a escola deve buscar uma forma de estruturação que articule uma nova representação social da instituição enquanto espaço de socialização e vivência no qual as experiências culturais significativas dos sujeitos que dela participam possa legitimamente se expressar. É preciso que o conhecimento escolar se constitua no processo ativo de interlocução entre educandos e educadores, tomados na multiplicidade das dimensões cognitivas, afetivas, éticas e estéticas constitutivas do processo educativo que busca a construção de cidadãos ativos e emancipados.

Nesse sentido, conceber a educação pela ótica do direito é vê-la como responsabilidade do Estado que na sua relação com o cidadão, enquanto sujeito de direitos, deve ser capaz de formular e executar as políticas necessárias à garantia desses direitos, o que significa não apenas uma melhoria quantitativa do sistema, mas sobretudo uma melhoria qualitativa dos espaços educativos.

Cabe ressaltar que a noção de direito à educação, enquanto constitutiva de sujeitos de direito impõe a necessidade de que a construção da própria educação que se requer seja pensada a partir do ponto de vista dos sujeitos que a exercitam, seja como educandos, seja como educadores. Supõe, portanto, ver a experiência educacional vivenciada pelos sujeitos - alunos e professores - enquanto cidadania em ato, instituinte dos e instituída pelos cidadãos que dela participam.

O Programa da Escola Plural, em consonância com essa premissa de que é não apenas importante, mas fundamental que os sujeitos participem da construção da própria educação, buscou sistematizar e legitimar práticas pedagógicas levadas a frente por educadores da Rede Municipal de Ensino (RME) que, num contexto adverso, transgrediam a ordem estabelecida procurando construir alternativas de organização para a escola criando, dentre outras coisas, novos parâmetros de avaliação; novas estratégias metodológicas e didáticas para garantirem aos alunos um processo de escolarização sem interrupções e de qualidade; uma relação ensino- aprendizagem que levasse em consideração novos saberes, os saberes dos alunos, novas formas de se estabelecerem relações entre o objeto do conhecimento e os sujeitos do conhecimento e, ainda, construindo espaços, no cotidiano escolar, para garantir a sua formação em serviço e continuada. Esse movimento de construção que deu origem ao Programa da Escola Plural nos revela uma característica fundamental desse programa que é o reconhecimento do mesmo como algo construído pelos docentes. Tendo nos profissionais da educação a sua autoria, a Escola Plural expressa a luta pela democratização do ensino e pela garantia do direito à educação levada a frente pelos educadores deste País.
A construção de uma escola inclusiva
Para se assegurar o direito à educação e, portanto, garantir a construção de uma escola comprometida com a inclusão social, demandava-se mais do que a capacidade de gerir democraticamente uma instituição que refletia na própria estrutura e organização uma cultura excludente.

A partir da necessidade de se construir uma nova escola capaz de assegurar a inclusão de todos os setores da nossa sociedade, particularmente aqueles tradicionalmente excluídos e marginalizados, garantindo-lhes não apenas o acesso à educação formal, mas sobretudo a possibilidade de participar da construção de novos conhecimentos e da apreensão dos conhecimentos produzidos ao longo da história da humanidade, a Escola Plural propôs uma nova ordenação da escola. Essa nova ordenação, capaz de assegurar a construção de uma escola inclusiva, demandou uma modificação nas estruturas da escola, por meio de uma construção coletiva, pautada na leitura dos saberes construídos pelos profissionais das escolas municipais e das teorias e práticas desenvolvidas por educadores de um modo geral, construindo um novo ordenamento dos tempos e uma nova organização do trabalho escolar. Esse novo ordenamento se deu a partir de alguns eixos norteadores do Programa.

EIXOS NORTEADORES DO PROGRAMA DA ESCOLA PLURAL
1) Construção de uma escola que considera a formação humana na sua totalidade Nas lutas pelo direito à educação, novas dimensões da formação humana estão presentes. Assim, as escolas devem estar articuladas a esse movimento, garantindo espaços nos seus currículos para a pluralidade das dimensões da formação humana das crianças, dos jovens, dos adultos , sujeitos da aprendizagem e dos próprios profissionais. Trata-se de construir uma escola mais plural num duplo sentido. Em primeiro lugar, uma escola sintonizada com a pluralidade dos espaços e tempos socioculturais de que participam os alunos, onde se socializam e se formam. Em segundo lugar, uma escola que recupera sua condição de tempo-espaço de socialização e de individualização, de cultura e de construção de identidades diversas.
2) Escola como tempo de vivência cultural As escolas precisam se constituir como espaços públicos privilegiados de cultura de forma a permitir a vivência coletiva, a recriação e a expressão da cultura. Para tanto, não apenas precisam abrir-se como espaço cultural da comunidade, articulando-se com a produção cultural da cidade, mas também precisam assegurar que essa abertura se materialize e se expresse no seu currículo, garantindo que a totalidade da experiência escolar passe a ser cultural.
3) Escola como experiência de produção coletiva As escolas, a fim de se constituírem como espaços verdadeiramente educativos, precisam superar a concepção de aprendizagem centrada na transmissão-recepção de informações e saberes. A formação apenas se efetiva mediante a participação dos sujeitos no processo de produção do conhecimento. Para tanto, é preciso assegurar espaços coletivos de construção, espaços escolares humanizados. O tempo de escola deve propiciar vivências coletivas de valores, de interações, de linguagens múltiplas, de comunicação, de pesquisa e, ainda, a interação com a multiplicidade de processos de produção externos à escola. Enfim, para se levar a frente a construção de uma escola inclusiva é fundamental que as escolas se articulem a partir de um processo coletivo de formação.
4) Escola capaz de redefinir os aspectos materiais tornando-os formadores É preciso redefinir os aspectos materiais e organizativos da escola de forma a garantir a construção de uma escola democrática e igualitária, não apenas no âmbito das condições físicas de trabalho, mas, principalmente, no que se refere às condições de trabalho: a organização dos tempos, espaços, processos; a própria organização do trabalho, as grades curriculares, as seriações, o recorte de horários, as hierarquias que, no dia a dia, se tornam aspectos deformadores e impossibilitadores dessa construção.
5) Escola capaz de assegurar a vivência de cada idade de formação sem interrupção É fundamental compreender a infância, a adolescência, bem como a fase adulta como idades específicas de vivência de direitos, contrapondo-se, assim, a uma idéia de que a escola é o tempo de preparação para vivência de direitos futuros. É preciso reconhecer o aprendiz como sujeito de direitos no presente. Em consonância com os movimentos sociais que vêm recolocando cada idade presente como tempo específico de construção de experiência histórica, a escola, sua organização, seus tempos e espaços precisam ser tempos e espaços da cidadania e dos direitos no presente.
6) Escola capaz de garantir a socialização adequada de cada idade É necessário reduzir as rupturas nos processos de socialização provocadas pela reprovação, reconhecendo a força socializadora e formadora do convívio entre alunos e alunas da mesma idade ou ciclo de formação. Ao reconhecer que a educação é um direito fundamental, a escola precisa garantir que o processo de formação se dê de forma ininterrupta, junto aos pares de idade. O tempo de escola deve ser um tempo de socialização-formação no convívio entre sujeitos na mesma idade-ciclo de formação, rompendo-se, para tanto, com a lógica das precedências , dos pré- requisitos, do vencimento de etapas de domínios e de habilidades, a lógica de avaliações de rendimentos médios, de reprovações, repetências e interrupções e rupturas de turmas e de quebras de percurso de socialização próprios de cada idade ou ciclo de formação.
7) Escola capaz de assegurar a construção de uma nova identidade dos seus profissionais É preciso reconhecer os trabalhadores da educação como sujeitos centrais na construção do Programa e, portanto, faz-se necessário garantir-lhes uma formação continuada a fim de que possam prosseguir, de forma ativa e dinâmica, na construção e na implementação da Escola Plural. Mas acima de tudo, é preciso assegurar aos profissionais da educação uma formação que os reconheça como sujeitos socioculturais, com direito a tempos, espaços e condições de participação na cultura. Desta forma, incluem-se no tempo remunerado do profissional, as atividades coletivas de formação e aperfeiçoamento - expresso no tempo de projeto que consta da sua jornada de trabalho - bem como na definição do quantitativo de professores por turma que leve em consideração as necessidades de capacitação, seja no plano individual, seja no plano do coletivo da escola.

Considerando os princípios e eixos norteadores que fundamentam o Programa da Escola Plural, a SMED vem enfatizando o aspecto da formação profissional em serviço e continuada e propõe que a discussão e o aprofundamento de sua proposta de trabalho de implementação do Programa, se dê a partir de quatro linhas temáticas: a relação com o conhecimento, a avaliação escolar, o ciclo de formação e a cultura escolar.

LINHAS TEMÁTICAS

Relação com o conhecimento

A garantia da pluralidade do conhecimento e a necessidade de se modificarem as relações tradicionalmente estabelecidas com o conhecimento são princípios presentes no Programa da Escola Plural que influenciam na construção de uma escola que se pretende inclusiva. Ou seja, a escola enquanto espaço de formação de sujeitos ativos e cidadãos emancipados deve buscar implementar uma concepção de conhecimento que se caracteriza pela pluralidade de suas dimensões. Tais dimensões se apresentam tanto sob a forma de conteúdos curriculares que privilegiam a cognição e possibilitam o acesso ao saber universal constituído na história do homem, quanto dos elementos que, expressos na socialização e na experiência cultural dos diversos grupos sociais, se mostram vitais para a construção das identidades dos sujeitos participantes do processo educacional.

Do ponto de vista da educação básica, significa trabalhar com múltiplas linguagens necessárias ao intercâmbio social e disponibilizar par ao educando as ferramentas básicas e as habilidades necessárias à aquisição de novos conhecimentos e novos saberes produzidos pela experiência humana. Assim, o conhecimento trabalhado pela instituição escolar deve procurar se organizar de forma que o processo de aprendizagem se dê na relação profícua entre sujeitos dotados de liberdade e capazes de ação e em condições de se reconhecerem como indivíduos com necessidades e interesses diversificados mas igualmente legítimos.

Inseridas no contexto da Escola Plural, as políticas pedagógicas em curso na Secretaria Municipal de Educação procuram traduzir esse princípio ao estimular a construção curricular a partir de vivências significativas dos alunos, tomadas de forma sistemática e global, necessariamente articuladas aos conteúdos básicos de cada ciclo de formação ou cada modalidade de ensino de forma a que o aluno possa apropriar-se - aqui na dimensão fenomenológica do termo, tornar próprio, se apossar - dos objetos de conhecimento que lhe são apresentados, construindo habilidades necessárias ao seu melhor desenvolvimento. Por outro lado, as políticas pedagógicas procuram estimular a produção de material didático necessário e adequado às experiências em curso, incentivando ações e práticas pedagógicas diversificadas que utilizem linguagens variadas. São desenvolvidos , assim, nas escolas da RME, a partir das proposições e da política pedagógica, projetos multidisciplinares que congregam professores de várias especialidades e que recorrem a um arsenal múltiplo de materiais buscando incentivar a expressão e a compreensão dos alunos envolvidos.
Dentro desse princípio de garantir, no trabalho das escolas, a pluralidade do conhecimento, a SMED procura assegurar espaços para a socialização das experiências pedagógicas em curso através de vídeos, textos didáticos, das oficinas de formação e da revista do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - CAPE, órgão encarregado pela definição da política de formação dos profissionais em educação da RME.

Outro projeto importante no tocante a este princípio é a proposta de revitalização das bibliotecas escolares, que pretende reorganizar as bibliotecas escolares tanto na perspectiva de novas contratações, como no que diz respeito a atualização e diversificação do acervo e, ainda, no que tange a utilização deste espaço de forma coerente com a concepção de conhecimento estabelecida. Avaliação escolar
A avaliação, no contexto da educação como direito, não pode servir para classificar, aprovar ou reprovar o aluno. Ela deve revelar o processo além de qualificar o produto. Deve diagnosticar, identificar avanços e aspectos a serem trabalhados no sentido de garantir a construção do conhecimento. É preciso, ainda, que os próprios sujeitos aprendizes participem ativamente do processo de avaliação como forma de se apropriarem do processo de construção do conhecimento.
No sentido de orientar a realização desse processo foram elaborados dois cadernos na série CADERNOS ESCOLA PLURAL. O primeiro desses cadernos teve como finalidade básica fazer uma discussão que aprofundasse a compreensão teórica e prática de uma de suas facetas que é a avaliação do processo de construção de conhecimento do aluno no cotidiano da sala da aula.
Um dos resultados dessa produção foi, a partir da análise de registros utilizados em várias escolas, construir uma ficha para análise e síntese do processo educativo vivido por professores e alunos ao longo do ciclo,

As reflexões, discussões e análises desencadeadas pelo uso dessa ficha possibilitou a produção do 2º caderno que, além de um aprofundamento teórico e prático, contribuiu também para que várias escolas mostrassem o processo que vivenciaram na busca de instrumentos e formas avaliativas cada vez mais eficientes e eficazes. Ciclo de formação
A idéia de ciclo de formação é central na proposta da Escola Plural. É onde se concretizam princípios como: garantia da continuidade do processo de formação dos educandos, respeito aos ritmos de aprendizagem e às diversidades culturais, respeito às vivências próprias de cada idade de formação.
Falar dessa continuidade do processo de formação do indivíduo não significa que ele esteja sendo aprovado automaticamente. A mudança de concepção de avaliação na proposta dos Ciclos de formação contribui para redimensionar esse equívoco. O que se percebe nas escolas no movimento de implementação do Programa, é uma preocupação, cada vez maior, com a formação global do indivíduo, demonstrada pela constante reformulação da concepção do sujeito que aprende e na busca de processos avaliativos que contribuam para o desenvolvimento do indivíduo em suas várias dimensões: social, cognitiva, afetiva, cultural, estética e ética. Nesse processo o aluno é considerado em suas diferenças de ritmos, gênero, raça classe e experiências/vivências culturais. Entre esses processos avaliativos estão presentes as provas, os exercícios, os trabalhos individuais e de grupo, os conselhos de classe, mas sem a perspectiva controladora e classificatória. A partir do uso desses instrumentos, os professores podem acompanhar o processo de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno.

Enfim, o direito à permanência na escola e, portanto, a construção de uma escola de inclusão social e cultural, passa, necessariamente, pela idéia de ciclo de formação.

O projeto Turmas Aceleradas é um projeto específico, no contexto da organização de Ciclos de Formação, de atendimento a alunos enturmados no segundo ciclo mas que, em termos de habilidades e conhecimentos escolares estão distanciados de seus pares. Acelerar, nesse caso, não significa correr com os estudos para que esses alunos alcancem os outros colegas de ciclo.

Ao contrário, significa acreditar nesses adolescentes que, pelas experiências culturais e experiências de vida que já possuem, irão apreender as habilidades escolares e construir a base conceitual dos conteúdos curriculares. Tem ocorrido de forma continuada, um processo de formação dos profissionais envolvidos nesse projeto, a partir de cursos, leituras oportunidades para reflexão e análise de suas práticas. Dessa forma, busca-se propiciar a esses alunos, atividades que os desafiem a colocar em prática, toda essa bagagem que já possuem e, além disso, envolvê-los num processo de auto-estima, fazendo com eles se sintam capazes e estimulados a aprender.

Já vem acontecendo situações em que esses alunos participam em projetos de trabalho junto com seus pares, mas conscientes de que eles necessitam aperfeiçoar suas estratégias de processar ou registrar as informações, obtidas ao longo do projeto e eles têm demonstrado interesse na busca desse aperfeiçoamento. Cultura escolar
Uma das modificações que a Escola Plural propõe diz respeito à estruturas rígidas de organização do trabalho que impõem um trabalho individualizado e hierarquizado. O eixo do trabalho proposto pela Escola Plural é a organização coletiva dos tempos e espaços escolares que pressupõe uma maior integração entre os diversos segmentos que compõem a comunidade escolar ( entre os profissionais da escola, entre esses e os pais, entre os alunos, entre esses e seus professores etc).
Enfim, essa nova organização pressupõe a gestão democrática da prática educativa, ou seja, significa a dinamização da instituição escolar, sua reestruturação como um coletivo de profissionais que ao ressignificarem a função cultural da escola, ressignificam a própria instituição e, ao fazê-lo, ressignificam a si mesmos.

A busca por espaços coletivos de formação, no interior das escolas, nos espaços instituídos pelas Regionais e até mesmo fora da Rede, propiciou a muitas escolas redimensionarem e inovarem suas práticas. Desse processo, foi possível construir o Programa Escola Plural.

A implantação desse Programa demandou abrir mais possibilidades de reorganizar os coletivos já existentes e compor novos grupos.

Na atual administração a opção foi socializar e dar unidade a esse processo através do fator 1.5, incidindo sobre o número de turmas por escola. Isso quer dizer, que a relação de professor por turma na grande maioria das escolas, oportunizando a reflexão e espaços para estudos, planejamentos coletivos na busca de condições e possibilidades de um trabalho de melhor qualidade, com eficácia e eficiência. A CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Falar da capacitação dos profissionais da Educação ao caracterizar implica em falar do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação - CAPE e situar no seu contexto a elaboração do Programa Escola Plural.

À criação do CAPE se dá no movimento de renovação da prática pedagógica da RME já contextualizado no início desse documento. Esse centro se organiza inicialmente em oficinas cujo conteúdo eram os conteúdos curriculares (Alfabetização, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática, Ciências, Geografia, História,, Educação Artística, Educação Física).

Os coordenadores dessas oficinas eram professores da Rede que atenderam a um processo de cadastramento, que em entrevistas dadas à equipe pedagógica de direção da SMED, se dispuseram a investir nessa frente de trabalho. Além disso, houve um investimento da secretaria em parcerias com instituições ligadas à Educação, principalmente as Universidades para assessorar ações do CAPE.

No início, houve uma intensa procura dessas oficinas para relato de práticas, análises dessas práticas, reflexões, discussões, leituras, trocas de experiências, cursos de atualização para o ensino dos diferentes conteúdos no sentido de buscar respostas para as questões que mais emperravam o movimento das escolas: a repetência e a evasão.

A partir do movimento das oficinas, esse processo pedagógico do CAPE foi possibilitando as escolas a redimensionarem sua concepção de Educação, buscando superar a lógica transmissiva do trabalho, de sala de aula, reorganizar os espaços e tempos escolares, redefinir a forma de gerenciar a escola a partir da articulação de coletivo de seus profissionais etc.

Para que essas ações fossem mais eficientes e eficazes, tornou-se necessário uma reestruturação das funções e ações do CAPE, incluindo nesse movimento além das oficinas e visitas às escolas outras formas de organização.

Do ponto de vista das funções, pode-se delinear um processo de definição de uma política de formação que desse conta do movimento de renovação que estava desencadeando na Rede. Quanto às ações aparecem os grupos inter-oficinas, voltados para as questões mais amplas de ordem curricular principalmente o problema da avaliação, atendimento a professores para trabalhar com as dificuldades de aprendizagem e integração de deficientes físicos na rede regular de ensino, problemas de aula da sexulidade, discriminação etno-racial etc. Outro ponto que exigiu a organização de um curso de longa formação em serviço, foi a concentração de altos índices de evasão e repetência na escola situadas nos pontos mais pobres da periferia. Profissionais de diversas oficinas se agruparam no sentido de elaborar uma proposta para esse curso. O resultado desse trabalho foi a elaboração de um projeto de curso, aperfeiçoamento da prática pedagógica com a carga horária de 360 horas.
O princípio básico que orientou a realização desse curso foi pautado na reflexão/ação/reflexão do cotidiano da sala de aula no sentido de tornar as atividades de ensino e de aprendizagem os instrumentos de minimização da exclusão das crianças da escola, garantindo-lhes o direito não só de acesso mas de permanência e continuidade dos estudos.

Esse primeiro curso, garantiu à equipe de elaboração do Programa Escola Plural mais um espaço para interlocução com a prática das escolas. Dessa forma, o Programa não só legitimou todas as práticas, que naquele momento se colocavam como "desobediência a ordem vigente" ainda oficializou para todas as escolas da RME princípios e processos educativos plurais e uma estrutura de escola adequada a esses processos e voltada para a concretização desses princípios.

- A partir desse primeiro curso o CAPE não só garantindo a continuidade desse tipo de curso mas também introduzindo outros espaços de formação , no sentido de subsidiar a implantação, implementação e aprimoramento do Programa escola Plural. Nessa perspectiva, as ações do CAPE se agrupam nas seguintes frentes de trabalho:
- CAPE ITINERANTE: oficinas agendadas com as escolas para ouvir suas questões, problematizar essas questões, oferecer subsídios para que essas escolas possam superar esse momento, se estruturarem coletivamente, com orientações, iniciarem seus processos de auto-formação.
- Fóruns com os profissionais das equipes dirigentes (equipes da Regionais) e/ou escolas onde, além da escuta das escolas, torna-se possível mapeamento de práticas significativas, socialização e discussões dessas práticas no sentido de aprimorar e possibilitar a circulação das mesmas na Rede, levantamento de dificuldades ligadas à concepção e prática dos princípios e temáticas do Programa, etc.
- Acompanhamento de grupos de trabalho por Regionais no sentido de incentivar os avanços mas também superar as dificuldades.
- Acompanhamento de escolas não só para estudos e aprofundamentos teórico- práticos, mas sobretudo para produção de materiais tais como vídeos, textos e principalmente garantir o espaço do professor nas publicações, ou seja, a fala/escuta do lugar da prática.
Publicações como CARPE DIEM e duas produções (revistas). A CRIANÇA NA CIRANDA DA EDUCAÇÃO produção anual já no seu terceiro número. O CARPE DIEM dá agilidade às informações aos eventos e informações/notícias necessárias às inscrições em cursos, seminários etc.

A Revista A CRIANÇA NA CIRANDA DA EDUCAÇÃO já vem trabalhando a temática da infância, narrando, discutindo, dissertando sobre os aspectos teórico- práticos envolvidos na educação da criança de 0 a 6 anos.

Já a Revista TESSITURAS , ao se estruturar por temáticas é uma possibilidade não de divulgação, mas também de articulação de produções, abrangência e aprofundamento da política de formação do CAPE. Outro ponto destaque da qualidade dessa revista é articular falas e escritas da academia, de profissionais da Rede na dimensão teórica e teórico-prática.

As primeiras temáticas estão diretamente voltadas para as questões inerentes à dimensão prática do Programa Escola Plural: Formação (1º número) Cultura Escolar, Ciclos de Formação e Relação com o Conhecimento.

As demais temáticas para continuidade da publicação da revista vão fluir do dinamismo da própria Rede.

A partir das diversas ações e das possibilidades, os profissionais do CAPE vão tendo condições e possibilidades de ter uma proposta de política de formação que, a cada momento, consiga articular suas ações com o cotidiano da Rede. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreendendo o Programa da Escola Plural como um projeto político pedagógico para a rede de escolas do município de Belo Horizonte, poder-se-ia perguntar em que medida não se estaria limitando ou impedindo a construção da autonomia de cada uma das instituições escolares que integram a RME. Nessa área, a perspectiva que se coloca é a da dialética entre o particular e o geral no que tange à circunscrição de uma escola específica e o funcionamento mais global do sistema. Dessa forma, a definição do princípio da autonomia da escola e expressa em inúmeros mecanismos administrativos e pedagógicos - fundamentais para que a escola se pense e se organize de acordo com as necessidades e interesses da sua comunidade escolar - deve ser coordenada pela idéia de solidariedade orgânica entre vários atores, níveis e dimensões do sistema municipal de educação. Isto significa que a autonomia da escola se constrói solidariamente às definições gerais e genéricas do funcionamento do sistema.
Para isso, a SMED procura garantir mecanismos de resolução e mediação dos conflitos que são constitutivos do funcionamento democrático do sistema e de seus organismos, garantindo por essa via a unificação das políticas - na especificidade das condições de funcionamento de cada escola - e a governabilidade do sistema.

O gerenciamento administrativo e financeiro e a gestão pedagógica de cada escola e do sistema como um todo devem procurar traduzir o princípio da autonomia solidária como diretriz da política educacional no que tange à gestão democrática da educação municipal.

Para finalizar, cabe destacar que as diretrizes da política municipal de educação de Belo Horizonte, expressa num Programa político-pedagógico denominado Escola Plural, encontra-se em processo de construção. Um processo em construção, de dimensão histórica, pois inscrito na ordem da cultura que todos sabemos pertence à longa duração. Entretanto, já é um processo instalado de renovação pedagógica, de compromisso democrático, de construção de direitos.

Belo Horizonte, 13 de abril de 1998

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Mônica Correia Baptista
Coordenadora Geral da CPP