1


CIBERESPAÇO COMO METÁFORA PARA

A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO COMPLEXO

Marianela Rodrigues da Silva

Professora da PUCMINAS, UEMG/FAE e UNIBH


RESUMO

Uma sociedade inserida em um contexto tecnológico, pano de fundo onde ocorrem os fenômenos sociais, exige um sistema educativo que prepare os cidadãos para o enfrentamento do mundo em crescente complexidade e permanente mudança. A Internet, na revolução cultural e tecnológica, surge como uma mídia importante para a formação do pensamento complexo, constituindo ferramenta valiosa para a abertura da escola à compreensão do mundo, com conseqüências no desenvolvimento do currículo escolar e na formação de identidades culturais.



Hoje em dia, a aprendizagem deixou de ser monopólio da escola, para, pelo contrário, se fazer cada vez mais fora dos muros da escola, no mundo exterior, no mundo real. As solicitações exteriores são cada vez mais e de maior peso, provocando a descentralização do currículo escolar. É imprescindível gerenciar a sala de aula, criando novos centros de interesse, novos pólos de atração e estratégias contextualizadas às demandas atuais que motivem os alunos a estar na escola com entusiasmo, curiosidade e não por obrigação! A Internet está hoje nas escolas, como está em muitas das nossas casas. Ela é um meio tecnológico intimamente ligado à realidade. Ela é o mundo real num ambiente virtual e dispõe de diversos recursos que abrem enormes potencialidades ao processo de ensino-aprendizagem, permitindo 'abrir novos mundos ao Mundo', à semelhança do que fizeram os navegadores portugueses a partir do século XIV!

Os recursos da Internet mais usados no ensino são as páginas Web, o correio eletrônico, os fóruns de discussão e os chats (conversas). Cada um destes recursos tem a sua própria finalidade de comunicação. Enquanto que as páginas Web têm um caráter informativo, o correio eletrônico, os fóruns de discussão e oschats são formas diferenciadas para o mesmo fim comunicacional. No entanto, os fóruns de discussão e oemail estabelecem uma comunicação em tempo não real, diferido; o chat acontece em tempo real, diretamente. Ao contrário da televisão e do vídeo, eles oferecem uma comunicação bidirecional, uma comunicação com resposta, uma comunicação real e genuína, uma comunicação com sentido. São ferramentas interativas.

A Internet confere ao processo educativo uma vantagem enorme, dificilmente alcançada de outro modo: a abertura de horizontes para novos mundos, a abertura de perspectivas! A Escola é, por natureza, uma instituição fechada. Pela primeira vez, e a uma escala sem precedentes, não só a Escola, como os professores e os alunos, dispõem de meios para sair de seus redutos, para colaborar, para partilhar idéias, experiências, vivências, culturas, em um espaço sem fronteiras e sem distância. Com a possibilidade de nos darmos a conhecer ao Mundo e de deixar o Mundo entrar no nosso meio, permitimos que o macrocosmo invada o nosso microcosmo.

A Internet abre as portas a uma renovação e a uma diversificação das práticas pedagógicas, questionando professores sobre as suas concepções de ensino e de aprendizagem, já que a sala de aula deverá ser repensada em seus espaços de confinamento. No entanto, o ciberespaço não é um “lugar” construído para o universo escolar; antes, é um espaço civil, público, em que, segundo ALAVA (2003: 9) “Os atores da rede são os atores da vida civil: comerciantes, charlatães, instituições, mídias. Encontrar-se, assim, na arena pública e aprender implica simetricamente que a escola participe do debate público”.Essa situação traz a vantagem de permitir trabalhar diretamente com e na realidade, um outro tipo de realidade, representada e contextualizada no ciberespaço.

Segundo MORAN, na Internet encontramos vários tipos de aplicações educacionais: de divulgação, de pesquisa, de apoio ao ensino e de comunicação. Constitui a mídia mais promissora desde a implantação da televisão. É a mídia mais aberta, descentralizada e, por isso mesmo, mais ameaçadora para os grupos políticos e econômicos hegemônicos. Aumenta o número de pessoas ou grupos que criam na Internet suas próprias revistas, emissoras de rádio ou de televisão sem pedir licença ao Estado ou estar vinculados a setores econômicos tradicionais. Cada um pode dizer nela o que quer, conversar com quem desejar, oferecer os serviços que considerar convenientes. Como resultado começamos a assistir a tentativas de controlá-la de forma clara ou sutil. Mas, para além do possível domínio, do poder exercido através dela, ela abre também outras possibilidades na escola que podem ajudar na necessária mudança de paradigmas para implementar as reformas educativas em seus eixos mais atuais: a interdisciplinaridade, a formação do pensamento complexo e a contextualização.

A sociedade em crise busca, hoje, através dos espaços educativos, a possibilidade de formação de indivíduos com uma nova mentalidade, que enxerguem novas pistas que conduzam à superação dos dilemas sociais e a novas atitudes na leitura da realidade complexa. Segundo ASSMANN (1998: 27):

Está surgindo uma hipótese desafiadora: a humanidade entrou numa fase na qual nenhum poder econômico ou político é capaz de controlar e colonizar inteiramente a explosão de espaços do conhecimento. A Internet é um exemplo para entender o que se pretende dizer com essa hipótese. Por isso, a dinamização dos espaços de conhecimento se tornou a tarefa emancipatória politicamente mais significativa. Dito de outra maneira, parece que surgiu uma brecha entre acumulação do capital e explosão e difusão dos conhecimentos. Se isso for verdade, cabe à educação entrar fundo nessa brecha. (...) Trata-se de ocupar, de forma criativa, os acessos ao conhecimento disponível e gerar, positivamente, propostas de direcionamento dos processos cognitivos – dos indivíduos e das organizações coletivas – para metas vitalizadoras do tecido social.

A integração dos campos de saber, em sua complexidade, quer na sociedade, quer na escola, como expressão dela, constitui, hoje, um eixo estruturador do pensamento humano, de que a educação tecnológica faz parte. O uso crítico dos computadores, o diálogo com novos espaços e novas linguagens, essas novas e variadas possibilidades de ação e de comunicação podem levar à percepção de que global mais do que o mundo é o próprio homem. A tecnologia digital rompe com a narrativa contínua e seqüencial de imagens e textos escritos, apresentando-se como um fenômeno descontínuo. Sua temporalidade e espacialidade estão associadas ao momento de sua apresentação. As imagens e textos horizontais, “linkados”, abertos, dispersos, descontínuos, navegáveis e flexíveis representam um outro modo de compreender, explicar e de ver o mundo. Exigem vivência, prática, um eterno reaprender em interação, em cada espaço, possibilitando relacionar informações e emoções, em suas interconexões. É através de diferentes níveis da percepção, da imaginação, da generalização que se desencadeiam novos estados cognitivos e afetivos, nas mais diversas redes que tendem a configurar toda a atividade humana.

Esse novo modo de aprender através da tecnologia digital pode ser para os educadores a metáfora para o estabelecimento de relações e de interconexões em rede dos conceitos, em busca de um conhecimento transdisciplinar (SILVA, 2002: 26). Essa metáfora pode ajudar na formação de um novo e complexo mapa conceitual da teoria refletida em articulação com uma prática pedagógica reflexiva. Abre possibilidades para uma busca permanente de mapas de conhecimento para a leitura da complexidade do real que documentos oficiais prescritivos não conseguem atingir para desenvolver o sentido básico de novos eixos paradigmáticos na educação.

Quais as características da revolução tecnocultural? Que tipo de impacto a revolução cultural e tecnológica atual terá sobre a escola, sobre a sua configuração, sobre a sua organização, sobre o papel do professor e sobre o currículo?

Tomás T. Silva compõe um perfil para essa revolução

(...) ela é predominantemente visual, em contraste com uma cultura onde predominava a informação e a cultura impressa. Ela é também essencialmente mercantilizada, centrada no estímulo ao consumo cultural. Ela é abundante, saturada, fragmentada, descartável. Ela apela ao prazer e à satisfação imediata. Ela nos envolve a todos na convulsão dos problemas do nosso tempo: (...) Não se trata apenas do aumento da quantidade de informações e de um fluxo interminável e contínuo de imagens. Trata-se, sobretudo, de uma revolução epistemológica, de uma verdadeira revolução cultural (SILVA, 1996: 3).

As mudanças têm implicações epistemológicas que afetam as novas identidades sociais e a própria formação docente. As novas tecnologias da comunicação e da informação não só estão alterando radicalmente a forma de conceber o conhecimento, como têm outras implicações.

Segundo MAGDALENA e COSTA (2003: 20):

Fica evidente que, à medida que nosso sistema de pensamento complexifica-se, mais conceitos entram em relações, maior é a rede conceitual tecida e mais nos aproximamos da realidade. Nesse sentido, a ação interativa no ciberespaço pode ajudar a aprofundar e enriquecer as possibilidades de trocas cognitivas que resultam em esquemas conceituais mais amplos e mais próximos do real. Utilizar ferramentas interativas como chats, fóruns e e-mail para desenvolver investigações cooperativas com grupos parceiros de outras escolas, em outros contextos (...) são ações que têm dado excelentes resultados em muitas escolas (...).

A Internet e as novas tecnologias abrem-nos, pois, contatos e perspectivas muito mais abrangentes do que alguma vez imaginamos. Abrem um mundo ilimitado de trocas cognitivas, relações humanas, de conhecimentos práticos, de vivências, experiências e testemunhos pessoais – dos cidadãos internautas - que podem e devem partilhar o seu saber, propiciando a aprendizagem pelo cruzamento de mapas conceituais do pensamento e de relações humanas.

Não basta, no entanto, desenvolver redes, sistemas analógicos e digitais de comunicação. A quantidade das mensagens e conteúdos que percorre as rodovias da informação, cada vez mais amplas, nem sempre apresenta qualidade, rigor, concisão e credibilidade necessárias. Há que percorrê-las com espírito crítico, emoção e inteligibilidade. Numa rede tão vasta de conhecimentos, é função do docente criar condições de expressão emocional, de reflexão e de seleção de informação que permita uma comunicabilidade ética, séria e competente.

Se bem que o momento de convulsões dramáticas que vivemos atualmente em diversos pontos do Globo não permite facilmente antever um Mundo melhor, temos a tarefa de, desde já, usar estes meios nas escolas de modo a que essa prática pedagógica, pelas possibilidades de comunicação e de formação que abre, seja também um campo aberto à formação e (re)construção da cidadania.




Referências bibliográficas

ALAVA, Séraphin. Uma abordagem pedagógica mediática do ciberespaço. Pátio. Ano VII nº 26, MAI/JUL.2003

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação; rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.

MAGDALENA, Beatriz Corso, COSTA, Íris Elisabeth. A lógica dos contextos e o Ciberespaço. Pátio. Ano VII nº 26, MAI/JUL.2003

MORAN, José Manuel.Como Utilizar a Internet na Educação. Revista Ciência da Informação, Vol 26, n.2, maio-agosto 1997. www.eca.usp.br/moran

SILVA, Marianela Rodrigues da “Reflexões sobre Currículo, Tecnologia e mudança social” – Caderno de Educação –v.1, n.29 – MAR/2002,

SILVA, Tomaz Tadeu da. Educação pós-crítica e currículo. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1., 1996, Belo Horizonte. Anais eletrônicos... Belo Horizonte

Voltar


Secretaria Municipal de Educação