INTERNET NA ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIBERCULTURA

Marco Silva

Doutor, Professor da Faculdade de Educação da UERJ
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Estácio.
marco@msm.com.br - www.saladeaulainterativa.pro.br.




O uso da Internet na escola é exigência da cibercultura, isto é, do novo ambiente comunicacional-cultural que surge com a interconexão mundial de computadores em forte expansão no início do século 21. Novo espaço de sociabilidade, de organização, de informação, de conhecimento e de educação.

A educação do cidadão não pode estar alheia ao novo contexto sócio-econômico-tecnológico, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada como nova infra-estrutura básica, como novo modo de produção. O computador e a Internet definem essa nova ambiência informacional e dão o tom da nova lógica comunicacional, que toma o lugar da distribuição em massa própria da fábrica e da mídia clássica, até então símbolos societários.

Cada vez se produz mais informação online socialmente partilhada. É cada vez maior o número de pessoas cujo trabalho é informar online; cada vez mais pessoas dependem desse tipo de informação para trabalhar e viver. A economia se assenta na informação online. As entidades financeiras, as bolsas, as empresas nacionais e multinacionais dependem dos novos sistemas de informaçãoonline e progridem, ou não, à medida que os vão absorvendo e desenvolvendo. A informação dessa natureza penetra a sociedade como uma rede capilar e ao mesmo tempo como infra-estrutura básica. A educação online ganha adesão nesse contexto, garantindo aprendizagem na flexibilidade e na interatividade próprias da Internet.

Se a escola não inclui a Internet na educação das novas gerações, ela está na contramão da história, alheia a espírito do tempo e, criminosamente, produzindo exclusão social ou exclusão da cibercultura. Quando o professor convida o aprendiz a um portal virtual de informações, ele não apenas lança mão da nova mídia para potencializar a aprendizagem de um conteúdo curricular, mas contribui pedagogicamente para a inclusão desse educando na cibercultura.

Contudo, a contribuição pedagógica para a inclusão do aprendiz na cibercultura exige um aprendizado prévio da parte do professor. Uma vez que não basta convidar a um site para se promover inclusão na cibercultura, ele precisará se dar conta de pelo mesmo três exigências dessa cultura e, coincidentemente, extremamente favoráveis à educação cidadã.


  1. O professor precisará se dar conta de que transitamos da mídia clássica para a mídia online


A mídia clássica é inaugurada com a prensa de Gutenberg e teve seu apogeu entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX com o jornal, fotografia, cinema, rádio e televisão. Ela contenta-se com fixar, reproduzir e transmitir a mensagem buscando o maior alcance e a melhor difusão. Na mídia clássica, a mensagem está fechada em sua estabilidade material. Sua desmontagem-remontagem pelo leitor-receptor-espectador exigirá deste basicamente a expressão imaginal, isto é, o movimento próprio da mente livre e conectiva que interpreta mais ou menos livremente.

A mídia online faz melhor a difusão da mensagem e vai além disso: a mensagem pode ser manipulada, modificada à vontade “graças a um controle total de sua microestrutura [bit por bit]". Imagem, som e texto não têm materialidade fixa. Podem ser manipulados dependendo unicamente da opção crítica do usuário ao lidar com o mouse, tela tátil, joystick, teclado etc. (LÉVY, 1998: 51).

Na mídia online o interagente-operador-participante experimenta uma grande evolução. No lugar de receber a informação, ele tem a experiência da participação na elaboração do conteúdo da comunicação e na criação de conhecimento. A diferença em relação à atitude imaginal de um sujeito é que no suporte digital "a pluralidade significante é dada como dispositivo material”: o sujeito não apenas interpreta mais ou menos livremente, como também organiza e estrutura, ao nível mesmo da produção (MACHADO, 1993: 180). Essa mídia tem muito mais a dizer ao professor.


  1. O professor precisará se dar conta do hipertexto próprio da tecnologia digital


A arquitetura não-linear das memórias do computador viabilizam textos tridimensionais dotados de uma estrutura dinâmica que os torne manipuláveis interativamente.

“A maneira mais usual de visualizar essa escritura múltipla na tela plana do monitor de vídeo é através de ‘janelas’ (windows) paralelas, que se pode ir abrindo sempre que necessário, e também através de ‘elos’ (links) que ligam determinadas palavras-chave de um texto a outros disponíveis na memória” (MACHADO, 1993: 286 e 288).

Na tela do computador o hipertexto supõe uma escritura não seqüencial, uma montagem de conexões em rede que, ao permitir/exigir uma multiplicidade de recorrências, transforma a leitura em escritura.

No ambiente online as páginas hipertextuais supõem: a) intertextualidade: conexões com outros sites ou documentos; b) intratextualidade: conexões com no mesmo documento; c) multivocalidade: agregar multiplicidade de pontos de vistas; d) navegabilidade: ambiente simples e de fácil acesso e transparência nas informações; e) mixagem: integração de várias linguagens: sons, texto, imagens dinâmicas e estáticas, gráficos, mapas; f) multimídia: integração de vários suportes midiáticos. (SANTOS, 2003: 225).

Na perspectiva do hipertexto o professor constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar. Ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intrincado (labirinto) de territórios abertos à navegação e dispostos a interferências, a modificações. Ele oferece múltiplas informações (em imagens, sons, textos etc.) sabendo que estas potencializam consideravelmente ações que resultam em conhecimento. Ele dispõe entrelaçados os fios da teia como múltiplos percursos para conexões e expressões com o que os alunos possam contar no ato de manipular as informações e percorrer caminhos arquitetados. O professor estimula cada aluno a contribuir com novas informações e a criar e oferecer mais e melhores percursos, participando como co-autor do processo.


  1. O professor terá que se dar conta da interatividade como mudança fundamental do esquema clássico da comunicação


Interatividade é a modalidade comunicacional que ganha centralidade na “cibercultura”. Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor a possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Representa grande salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de massa que prevaleceu até o final do século XX. O modo de comunicação interativa ameaça a lógica unívoca da mídia de massa, oxalá como superação do constrangimento da recepção passiva.

Na cibercultura ocorre a transição da lógica da distribuição (transmissão) para a lógica da comunicação (interatividade). Isso significa modificação radical no esquema clássico da informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor: a) o emissor não emite mais no sentido que se entende habitualmente, uma mensagem fechada, oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor; b) a mensagem não é mais "emitida", não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta; c) o receptor não está mais em posição de recepção clássica, é convidado à livre criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.

Na perpectiva da interatividade, o professor pode deixar de ser um transmissor de saberes para converter-se em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipes de trabalho, sistematizador de experiências, e memória viva de uma educação que, em lugar de prender-se à transmissão, valoriza e possibilita o diálogo e a colaboração. Os fundamentos da interatividade podem ser encontrados em sua complexidade nas disposições da mídia online. São três basicamente: a)participação-intervenção: participar não é apenas responder "sim" ou "não" ou escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem; b) bidirecionalidade-hibridação: a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção, é co-criação, os dois pólos codificam e decodificam; c)permutabilidade-potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e significações.

Estes fundamentos revelam o sentido não banalizado da interatividade e inspiram o rompimento com o falar-ditar do mestre. Eles podem modificar o modelo da transmissão abrindo espaço para o exercício da participação genuína, isto é, participação sensório-corporal e semântica e não apenas mecânica.


Perspectivas para a educação cidadã


Estaronline não significa estar incluído na cibercultura. Internet na escola não significa necessariamente inserção crítica das novas gerações e dos professores na cibercultura. O professor convida o aprendiz a um portal virtual de informações, mas a aula continua sendo uma palestra para a absorção linear, passiva e individual, enquanto o professor permanece como o responsável pela produção e transmissão dos conhecimentos. Professor e educandos experimentam a exploração, a navegação na Internet, mas o ambiente de aprendizagem não estimula a fazer do hipertexto e da interatividade próprios da mídia online uma valiosa atitude de inclusão cidadã na cibercultura. Assim, mesmo com a Internet na escola, a educação pode continuar a ser o que ela sempre foi: distribuição de conteúdos empacotados para assimilação e repetição.

De que modo traduzir as três exigências da cibercultura – extremamente favoráveis à educação cidadã – em prática docente, em aprendizagem? Cada professor com seus aprendizes podem criar possibilidades, as mais interessantes e diversas. É tempo de criar e partilhar onlinesoluções locais. É tempo, inclusive, de reinventar a velha sala de aula presencial infopobre a partir da dinâmica da cibercultura.

Em lugar de guardião da aprendizagem transmitida, o professor propõe a construção do conhecimento disponibilizando um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos educandos. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos aprendizes. Assim ele educa na cibercultura. Assim ele constrói cidadania em nosso tempo.


Referências Bibliográficas

LEVY, Pierre. Inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: EDUSP, 1993.

SANTOS, Edméa Oliveira. Articulação de saberes na EAD online: por uma rede interdisciplinar e interativa de conhecimentos em ambientes virtuais de aprendizagem. In: SILVA, Marco (Org.)Educação online. São Paulo, Loyola: 2003.

SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.

http://www.icoletiva.com.br/secao.asp?tipo=artigos&id=29 (15/03/04)

http://www.furb.br/redemat/v3/rdm301/?iu_texto=34 (15/03/04)

http://www2.uerj.br/~emquest/emquestao08/aulainterativa.htm (15/03/04)

http://www.senac.br/informativo/BTS/263/boltec263c.htm (15/03/04)

http://www.folhadirigida.com.br/professor/Cad08/ArtMarcoSilva.html (15/03/04)

http://www.ipae.com.br/pub/pt/re/rbead/55/materia9.htm (15/03/04)

http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/mundo_novo/92.html  (15/03/04)

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