INTERNET NA ESCOLA: as tecnologias da informação
e comunicação e a formação do professor


Laércio Ferracioli

Laboratório de Tecnologias Interativas Aplicadas à Modelagem Cognitiva

Departamento de Física - UFES

laercio@modelab.ufes.brwww.modelab.ufes.br



Resumo:
O presente artigo aborda a integração da Internet no contexto educacional a partir da discussão de aspectos relacionados à natureza das tecnologias da informação e comunicação, a paradigmas da formação de profissionais, relatos de experiências e defesa de uma formação continuada em serviço.



1. Introdução


O papel das tecnologias da informação e comunicação - TIC’s - na atual sociedade da informação para a construção de uma sociedade do conhecimento baseada em conteúdos e identidade cultural a partir da universalização de serviços de cidadania na busca da abertura de mercado, trabalho e oportunidades já foi amplamente divulgado e discutido tanto por meios de comunicação públicos quanto privados (MCT, 2000). O mesmo pode-se dizer do papel da Internet na construção da sociedade do conhecimento através da educação para a cidadania baseada na utilização de infra-estrutura de informática e redes para a educação, novos meios de aprendizagem, ecologia cognitiva e educação à distância (BRASIL, 1997). Resta-nos, agora, saber qual a real inserção deste ferramental no cotidiano de escolas públicas e privadas em nosso país. O presente artigo aborda alguns aspectos deste paradigma da sociedade da informação e da formação dos profissionais relacionados à integração das TIC’s no contexto educacional.


2. Sobre a natureza das tecnologias da informação e comunicação


A utilização das tecnologias da informação e comunicação para a produção de material de base digital sobre temas gerais ou de conteúdos específicos demanda um adequado ajuste de conceitos tais como hipertexto,hipermídia, interatividade, conectividade ecriatividade. Dessa forma, a produção de material baseado na Internet enfrenta o constante desafio de superar o que tem sido denominado de edutainment quando a dimensão educacional é superada pelo entretenimento – (RENNIE e MCCLAFFERTY, 1996). Assim, o sucesso frente a esse desafio é a produção de material que promova um efetivo aprendizado ou, por exemplo, uma aprendizagem significativa na acepção ausubeliana (AUSUBEL et al., 1978), quando o novo conteúdo é integrado às estruturas de conhecimento do sujeito de forma não arbitrária e substantiva. MACEDO (2002) relata que a utilização das tecnologias de hipermídia na divulgação científica tem prejudicado a aprendizagem de informações. Um estudo desenvolvido através da apresentação de textos na versão em papel e na versão digital on-line de diversas publicações científicas mostra que, na comparação entre a leitura da versão impressa e a leitura da versão digital, a primeira tem levado o leitor a uma melhor compreensão do texto base. As causas estão associadas a problemas que vão desde a simples escolha inadequada de fontes e cores até a inclusão excessiva de links sem conteúdos suficientes.

Assim, tanto o cuidado com a dimensão de entretenimento quanto com a dimensão do design gráfico têm sido ressaltados devido ao fato de que a possibilidade de inserção de diferentes mídias em diferentes formatos pode levar a geração de um produto final onde estas alternativas passam a ser o fim e não o meio para a produção de um material sobre conteúdos específicos, materiais esses que serão utilizados tanto para formar um profissional capacitado a manusear as novas tecnologias quanto para capacitar o profissional já formado para essa nova realidade (FERRACIOLI, 1997).

Aliado aos aspectos técnicos acima mencionados é necessário considerar a demanda de usuários ou de responsáveis de possíveis usuários. Pesquisa qualitativa encomendada pela organização não governamental MIDIATIVA(2004) e realizada em São Paulo com 60 pais de filhos de 4 a 17 anos traçou o que seriam os “dez mandamentos de um programa de TV de qualidade” para crianças e adolescentes. Os “mandamentos” traçados foram: gerar curiosidade, não ser apelativo, ser atraente, confirmar valores, ter fantasia, gerar identificação, mostrar a realidade, despertar o senso crítico, incentivar a auto-estima e preparar para a vida.

Observa-se que, pela própria natureza das tecnologias da informação e comunicação, sua inserção e integração no contexto educacional representam uma tarefa não trivial: a produção de material que tenha a abrangência destes “dez mandamentos” e que ainda se enquadre nos aspectos técnicos da área, o que demanda não só a experiência de quem o produz, mas também a consideração das subjetivas exigências de quem o irá utilizar.


3. Sobre paradigmas de formação de profissionais


Baseado nos aspectos abordados na seção anterior pode-se vislumbrar a importância da formação de um profissional apto a integrar em suas atividades cotidianas as demandas geradas pelas tecnologias da informação e comunicação. Assim sendo, a formação profissional de cidadãos aptos a essa demanda deveria ter um enfoque na alfabetização e fluência digital, na geração de novos conhecimentos e na aplicação de tecnologias de informação e comunicação (TAKAHASHI, 2000) tanto em uma perspectiva de capacitação de recursos humanos quanto na de repensar a estrutura formal de ensino em todos os níveis. A alfabetização digital diz respeito à promoção, em todos os níveis de escolarização através da renovação e implementação curricular para todas as áreas de especialização, de cursos complementares e de extensão. A fluência digital é relacionada à capacidade de reformular conhecimentos, expressar-se criativa e apropriadamente, bem como produzir e gerar informação ao invés de meramente compreendê-la. A geração de novos conhecimentos está relacionada à formação profissional em nível de graduação e pós-graduação nas diversas áreas. Finalmente, a aplicação dessas tecnologias pode ser objeto de formação desde o nível médio técnico (FERRACIOLI, 2002).

Para isso, faz-se necessária a implantação de diretrizes apropriadas e implementação eficaz de programas de reformulação curriculares e de formação profissional que efetivamente promovam essa formação não somente em nível teórico mas, acima de tudo, em nível prático.


4. Sobre a ponta do iceberg: dois relatos


Considerando a Internet como lócus de estudo sobre a integração das tecnologias da informação e comunicação no contexto escolar podem-se citar os resultados de dois levantamentos realizados com professores de ensino fundamental das redes pública e privada das regiões metropolitanas de Vitória, ES e Brasília, DF.

O primeiro levantamento, realizado em 2002, teve como amostragem professores de um curso de especialização na Universidade Federal do Espírito Santo (FERRACIOLI e SILVEIRA, 2003). De um total de 27 professores matriculados, somente 12 revelaram utilizar a Internet com relativa fluência. Dos 17 restantes, cinco admitiram utilizar o computador como “máquina de escrever” sem nunca ter acessado a Internet. Os demais nunca haviam utilizado computador.

A partir de um recorte mais específico, o segundo levantamento abordou 20 professores de ensino fundamental da rede pública e privada que realmente utilizavam a Internet em sala de aula na região metropolitana de Brasília (SANTOS, 2003). A investigação revelou quatro modos básicos de trabalho com os conteúdos disponibilizados na Internet: via de regra, os conteúdos eram trabalhados por meio de pesquisa aleatória e linear (11 professores); pesquisa orientada e problematizada (4 professores); pedagogia de projetos (3 professores) eabordagens de construção de hipertextos (2 professores). Entrevistas e observações revelaram um distanciamento generalizado entre as teorias que propõem utilização inovadora da Internet e a prática efetiva dos professores. Em sala de aula, sem nenhuma exceção, a Internet não era conceituada para o estudante: sua origem, forma, modo de funcionamento, possibilidades de navegação, estrutura ou função não eram temas tratados pelos professores que, até mesmo como estratégia de reprodução de formas de controle da situação didática, propunham a seus alunos abordagens lineares, previsíveis e estáticas de navegação na rede.

Apesar do necessário cuidado na generalização desses resultados, eles podem representar exemplares de situações corriqueiras encontradas no universo de nossas escolas. Levantamentos similares podem revelar que o quadro delineado acima pode representar apenas uma ponta do icerberg.


5. Sobre a formação continuada em serviço


A partir do paradigma de formação de profissionais delineado na seção 3 e dos relatos da seção anterior nos parece que o repensar da estrutura formal e informal de ensino em todos os níveis deve ser pautado pela realização do ciclo completo do enfoque proposto. Esforços concentrados somente na promoção da alfabetização digital parecem não ser suficientes na medida que o ferramental apresentado é rapidamente esquecido se não for imediatamente utilizado na prática (FERRACIOLI et al., 2003). Este fato pode ser evitado na medida que a fluência digital seja subseqüentemente promovida de maneira adequada no contexto do local de trabalho.

Por outro lado, é necessário o devido cuidado na implementação das duas últimas etapas do ciclo. É importante considerar que a grande maioria das tecnologias de informação e comunicação é naturalmente incorporada à vida do cidadão, seja, por exemplo, através da implantação de serviços públicos e privados, seja pela demanda de mercado que exige um profissional devidamente preparado. Dessa forma, é questionável a inclusão de disciplinas específicas relacionadas ao ensino de tecnologias em currículos de nível médio técnico e/ou superior, uma vez que a própria evolução tecnológica tornará essas disciplinas obsoletas e desatualizadas e um processo de alteração curricular, via de regra, demanda um tempo maior que o ciclo de renovação tecnológica. A solução, talvez, seja encontrada na proposição de atividades relacionadas as TIC’s que sejam desenvolvidas a partir de conteúdos específicos em disciplinas do próprio currículo vigente ou mesmo através de cursos de extensão.

Em relação ao profissional já formado o paradigma da Formação Continuada de Professores em Serviçoé o mais adequado para promover uma real integração das TIC’s no contexto escolar a partir das premissas dos documentos mencionados na introdução deste artigo. Tentando evitar a redundância, poder-se-ia citar premissas, tais como, ênfase voltada para a integração eavaliação das TIC’s na educação baseada nas necessidades locais do ensino e da aprendizagem além do planejamento, desenvolvimento e implementação de metodologias que levem em conta a evolução e avaliação do papel do professor e do papel ativo e exploratório do estudante e que sejam transferíveis e aplicáveis em outros domínios a partir da explicitação de como isso poderia ser feito. Essa perspectiva de trabalho possibilita ao professor a articulação simultânea do aprendizado de sua formação aos seus desafios cotidianos com seus alunos em sala de aula. Na verdade, o desafio maior é ultrapassar o descompasso promovido pela própria escola com suas amarras representadas pelo o currículo tradicional, seu ritmo e rituais, vitais pontos de estrangulamento.


6. Considerações finais


É importante ressaltar que as idéias aqui apresentadas explicitam uma visão de todo o processo envolvendo a integração das tecnologias da informação e comunicação no contexto escolar e, em particular, a Internet. Apesar da tentativa de uma abordagem critica é inevitável a incursão baseada em jargão da área e generalidades. O objetivo primeiro é prover subsídios para as discussões que ocorrerão durante o seminário.



7. Referências bibliográficas


AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D. & HANESIAN, H. (1978) Educational Psychology: A Cogntive View. New York: Holt, Renehart and Winston.

BRASIL (1997)Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF.

FERRACIOLI, L. & ALMEIDA, R. (2003) Internet como Ferramenta de Suporte ao Processo de Ensino-Aprendizagem: Uma Experiência em uma Disciplina de Pós-Graduação em Arte Visuais In: II Congresso Brasileiro de Educação Superior a Distância, Brasília, DF.

FERRACIOLI, L. (1997) As Novas Tecnologias nos Centros de Ciências, nos Centros de Formação Profissional e na Formação de Professores. In: Atas do XII Simpósio Nacional de Ensino de Física. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais. 27-31/Janeiro/1997. p. 127-33.

FERRACIOLI, L. (2002) Perspectivas e Resultados da Aprendizagem Exploratória em Ciências Através da Educação à Distância In: Anais IV Seminário sobre Representações e Modelagem no Processo de Ensino-Aprendizagem. Vitória, ES: Gráfica e Editora Mabor. p.149 – 161.

FERRACIOLI, L.; MESSINA, L. A. & GODINHO, M. (2003) Informática Educacional na Rede Pública Municipal: O Relato de uma Experiência de Formação Continuada. Publicação Interna do ModeLab/UFES.

MACEDO, M. (2002) Do Texto ao Hipertexto: Argumentação e Legibilidade de Revistas de Divulgação Científica. Campinas. Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Campinas. Tese de Doutorado.

MCT (2000) Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia.

MIDIATIVA (2004) Dez Mandamentos da TV de Qualidade. Disponível no endereço:http://www.midiativa.org.br/. Acessado em 15 de março de 2004.

RENNIE, L. & McCLAFFERTY, P. (1996) Science Centres and Science Learning.Studies in Science Education, 27: 53-98.

SANTOS, G.L. (2003) a Internet na Escola Fundamental: Sondagem de Modos de Uso por Professores. Educação e Pesquisa 29(2): 303-312.

TAKAHASHI, T. (2000) Educação na Sociedade da Informação. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia.


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