Rede Trocas

3º ENCONTRO: surdez

Mediadora: Marília da Piedade Marinho Silva- Mestra em Educação

Convidada: Aparecida Rocha Rossi- Presidente da Federação das Entidades de Surdos do Estado de Minas Gerais- FESEM

Dia: 05/09/2000

1º relato

Escola Municipal Agenor de Sena

Relato de uma experiência com um aluno surdo

Introdução

A questão da surdez é complexa e demanda muita pesquisa, avanços tecnológicos, estudo, discussões e trocas de experiências entre profissionais de diversas áreas.

Quando nos referimos à deficiência auditiva, logo nos remetemos a sua principal conseqüência e problemática: a comunicação. Sabemos da sua importância para uma interação social rica , satisfatória e para o conhecimento social da realidade externa construído no decorrer da história da humanidade.

A criança desde cedo vai se "humanizando" através das trocas estabelecidas entre ela e os adultos; as crianças mais velhas e os pares da mesma idade. Levando-se em conta a dificuldade de se comunicar e de estruturar uma linguagem típica de uma sociedade ouvinte, podemos nos perguntar: como uma criança surda constrói a sua visão do mundo? Pode uma pessoa surda estudar em um mesmo ambiente que um ouvinte? É possível uma criança demonstrar sua capacidade de pensar e ser incluída nos diferentes contextos sociais, sem ter que utilizar o meio de comunicação da linguagem falada ou escrita?" Há diferentes opiniões e experiências para responder estas questões. Aliás, há muita controvérsia quanto ao desenvolvimento e ao processo educativo do surdo de modo geral. Mas , uma coisa é certa, quanto mais cedo a criança for estimulada e conseguir estabelecer uma forma mais eficiente de se comunicar com as pessoas, melhor será o seu processo de desenvolvimento.

O aluno

É uma criança de seis anos que tem cerca de 30% de audição em um ouvido e 0% no outro. É filho de pais ouvintes e já nasceu com esse problema.

O aluno chegou à Escola Municipal Agenor de Sena este ano e foi enturmado em uma sala de Educação Infantil com crianças da sua faixa etária. Já tendo frequentado uma escola anteriormente.

Meu primeiro contato com ele foi uma semana antes da greve ocorrida no 1º semestre/2000. Neste período eu estava no nível 3 do Curso de LIBRAS e já tinha interagido com diversos adultos com diferentes níveis de surdez. Considero este fato importante, pois foi um dos aspectos que facilitou a minha aproximação junto ao aluno. Desde o início conseguimos nos comunicar de alguma forma e com o passar do tempo fomos nos conhecendo melhor e ampliando nossa comunicação .

No começo a sua forma de expressar os pensamentos, os desejos e os sentimentos era muito precária, pois sabia falar pouquíssimas palavras, não sabia LIBRAS, não fazia leitura labial e sua mímica era razoável. Fui introduzindo a LIBRAS, o que foi muito enriquecedor, pois a partir daí ele conseguiu estabelecer diálogos comigo , trocar idéias , ampliar a sua comunicação e a sua mímica foi ficando mais expressiva. No momento, a sua

comunicação ainda é empobrecida. Mas não podemos negar o quanto que ele avançou em relação ao mês de abril.

Socialização

No início praticamente não interagia com os outros colegas de sala. À medida que os sinais foram sendo introduzidos para ele e para os outros alunos, a sua socialização foi melhorando sensivelmente. Em determinadas situações ele mesmo ensina os sinais para os outros colegas e as vezes troca pequenos diálogos com os mesmos. Ex: fala com o colega que a sua figurinha sumiu. Que a lata de giz de cera é para os dois usarem. Fala para o colega sentar...

A sua interação com o outro , no momento, ainda é caracterizada por uma certa agressividade. Na minha opinião, isto ocorre em parte pelos desenhos agressivos que assiste. Há também um aspecto importante a ser considerado; o fato dele não conseguir verbalizar, o faz muitas vezes ir diretamente à ação, podendo assim parecer um comportamento agressivo, quando na verdade é sua forma de se comunicar. Ex: quando alguém pega alguma coisa e ele não gosta, simplesmente ele toma. Talvez, se falasse, ele poderia dizer que não gostou, para o colega não pegar mais. Quando quer balançar, ele naturalmente empurra o colega. Se soubesse falar, poderia dizer que gostaria de balançar, que o colega já balançou e agora é a vez dele...

Ultimamente tenho observado que com as pessoas que ele se comunica melhor, ele se mostra mais afetuoso.

Comportamento

O aluno é uma criança agitada, esperta, inteligente e muito curiosa.

Reage frequentemente com choro diante das frustrações. Necessita de um trabalho para aprender a cuidar dos seus objetos pessoais, pois perde muito as coisas. Assim como precisa ser trabalhado a questão do limite. Esses comportamentos refletem muito a maneira pela qual a família o trata. Segundo relato da tia, ele é muito mimado porque é o primeiro neto e "tem esse problema". Quando eles vão à cidade "tudo" que ele quer eles compram, senão ele chora. Diz que leva água no quarto para ele. O pai fala que tudo que ele perde é reposto o mais rápido possível. Esse tipo de reação é comum nas famílias que têm crianças com deficiência, por isso é importante uma orientação neste sentido junto às mesmas.

Aprendizagem

Ele é uma criança de seis anos que chegou na Escola Municipal Agenor de Sena com uma experiência escolar anterior e com o conhecimento construído no decorrer desses anos. Mas, a impressão que tenho é de um contato muito solitário e portanto empobrecido entre ele e o objeto de conhecimento. A minha sensação na interação com o aluno é a de que estou "apresentando" o mundo a ele, estou mediando o contato dele com a realidade e com isso enriquecendo a sua construção do mundo. E isso acontece por termos a possibilidade de nos comunicarmos através de mímicas e da LIBRAS.

As situações de aprendizagem que tenho vivenciado com o aluno faz-me pensar que a exploração do ambiente, a vivência, com a comunicação gestual e a repetição de situações favorecem a sua compreensão das circunstâncias do dia a dia.

O aluno realiza a maioria das atividades desenvolvidas em sala. Entre outras coisas, reconhece e identifica a maioria das letras do alfabeto português e do alfabeto manual. Reconhece e identifica a maioria das cores e sabe os sinais das mesmas. Sabe contar de 0 a 10. Tem a idéia de quantidade e sabe os sinais dos numerais em LIBRAS. Demonstra ter domínio dos conceitos grande/pequeno, pouco/muito, alto/baixo e grosso/fino. Apresenta uma excelente discriminação visual. Já ocorreu em sala de aula o fato de somente ele conseguir realizar uma atividade proposta que relacionava a habilidade de discriminação visual e o raciocínio.

Na minha avaliação, considero que o aluno está incluído nas atividades desenvolvidas na escola cerca de 70%, pois não é sempre que consigo transmitir para ele as idéias discutidas e passadas em sala. E pelo fato de estarmos em um mundo no qual a comunicação se dá basicamente através da fala, não somos acostumados a utilizar outros recursos de comunicação que possam atingir as pessoas que não escutam.

Reações dos outros alunos

Primeiramente, foi de surpresa por perceberem que o aluno com surdez era capaz de realizar as atividades da mesma forma que eles. Depois curiosidade em aprender os sinais trabalhados e aprender outros que nem foram ensinados em sala de aula. E por último, ciúmes, por haver uma atenção especial direcionada para o aluno. Tento explicar a demanda específica de comunicação , tomando o cuidado para isso não se tornar um motivo de discriminação.

Família

É muito importante o trabalho junto à família de qualquer aluno. No caso referido, vejo a necessidade desse contato principalmente em relação à uma linguagem mais unificada para que a criança possa se comunicar de uma forma estável e coerente na escola e em casa, favorecendo-a em vários aspectos. Geralmente, as pessoas com deficiência auditiva desenvolvem uma linguagem doméstica que não é funcional em outros contextos e portanto limita ainda mais a sua comunicação. Também é preciso que a família continue e até acrescente o trabalho desenvolvido na escola. Além disso, como já foi citado anteriormente, é importante trocar idéias com a família a respeito das atitudes frente ao aluno, principalmente em relação aos limites.

Dificuldades

· somente a professora referência ter conhecimento da LIBRAS.

· ter os materiais afixados em paredes e murais arrancados e pixados, pois eles são importantes, uma vez que o canal visual é muito utilizado na aprendizagem pelas pessoas com surdez.

· falta de tempo e habilidade para confeccionar os materiais necessários.

· o aluno ter pouco tempo na Sala de Recursos.

· transmitir as sutilezas e especificidades das situações e do próprio conhecimento, sendo que nem o aluno e nem a professora têm o domínio da língua de sinais.

· não ter uma sala com o número menor de alunos, pois o aluno requer uma maior atenção.

Reflexões

Imagino a hipótese de que se este aluno estivesse junto de outras crianças surdas com a mesma faixa etária dentro desta sala, a sua comunicação e socialização fluiriam melhor e consequentemente, a sua aprendizagem avançaria mais, pois ele teria a oportunidade de trocar idéias de uma forma mais rica e ampla.

No momento não é claro para mim, se é mais produtivo para pessoa com deficiência auditiva estar numa sala só de surdos ou incluído em uma sala de ouvintes. Na minha opinião as duas situações teriam ganhos e perdas. Na primeira, o aluno teria um ambiente lingüístico totalmente

específico e um ritmo de ensino de acordo com a sua demanda, porém o seu contato com ouvintes seria restrito e não favoreceria uma inclusão social no sentido mais amplo. Na segunda, o aluno teria de certa forma materiais adaptados ,os quais não atrapalhariam em nada a aprendizagem dos outros alunos e estaria enriquecendo a sua comunicação e trocando idéias com ouvintes. Porém, acredito que o ritmo de aprendizagem dos surdos é mais lento não por uma questão de inteligência, mas pela dificuldade na estruturação da língua portuguesa e o acesso mais limitado às relações sociais e aos meios de comunicação que são essencialmente mediados pela linguagem oral.

Penso ser fundamental para os professores que trabalham com alunos surdos, terem o conhecimento da LIBRAS e buscarem a melhor forma de proporcionar a construção do conhecimento desse aluno. Além de participarem de encontros como este, para trocarem idéias e experiências, enriquecendo assim a sua prática pedagógica.

Professora: Ana Paula de Assis Oliveira

Coordenação: Maria das Graças Fernandes

Direção: Roberto de Castro e Aneti Viana

 

2º relato

Escola Municipal Arthur Versiani Velloso

A Inclusão de Alunos Surdos na Rede Regular

Introdução

As pessoas surdas têm na Língua de Sinais, língua gestual visual, como língua natural. A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) não possui uma escrita correspondente.

Se nós entendemos a linguagem como constituinte e constituída pelo sujeito em suas interações, a educação dos surdos no ensino regular deve levar em consideração suas diferenças sociolingüísticas.

Seria o caso de considerá-los como pessoas estrangeiras?

Um estrangeiro que não domine a Língua Portuguesa, no caso do Brasil, em um tempo relativamente curto pode vir a dominá-la e, então, passar a freqüentar o ensino regular.

Um surdo pode aprender o Português escrito e falado, este último com maior dificuldade, porém seu desempenho nesta língua não será suficiente, porque seu bloqueio auditivo não desaparecerá por mais que venha conhecer sua estrutura e pronúncia.

Esta realidade os coloca na condição de Cidadãos Brasileiros, bilíngües, com direito a uma educação de qualidade, em todos os níveis e que atenda as suas necessidades.

A inclusão dos Alunos Surdos, com Professoras Auxiliares Intérpretes, a partir do 2º ciclo, na E.M. Arthur Versiani Velloso representa o desafio de pensar a educação a partir da diversidade cultural. Construir um Projeto Político-Pedagógico que leve em conta as variações lingüísticas, raciais, políticas e históricas dos sujeitos.

Um Breve Histórico do Projeto

Com o objetivo de garantir a continuidade da vida acadêmica dos alunos surdos que concluíam as 4 primeiras séries do ensino fundamental nas Escolas Especiais, em 1993, foi implantado na E.M. Arthur Versiani Velloso o Projeto Piloto de "Integração de Alunos Surdos no Ensino Regular - 5ª a 8ª série - com Professora Auxiliar Intérprete".

Este Projeto foi proposto pela Clínica - escola FONO (Clínica conveniada com a SMEDBH) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.

A proposta inicial do Projeto era de Integração (preparação dos alunos para se adaptarem ao modelo da escola regular), mas a presença dos alunos integrados desencadeou o processo de inclusão (a escola muda para atender as necessidades dos alunos que nela estudam).

Com a implantação da Escola Plural na rede Municipal, em 1995, a E.M. Arthur Versiani Velloso foi gradativamente se organizando em ciclos de formação básica, passando a se organizar em 2º e 3º ciclo , e Ensino Médio, ficando o título do Projeto descontextualizado com relação à seriação.

Foi implantada, também, a Sala de Recursos da Regional Centro Sul, onde os alunos passaram a receber o atendimento complementar.

Em 1996, foi constituído um Grupo de Estudos com a participação do CAPE (Centro de Aperfeiçomento dos Profissionais da Educação), o extinto Serviço de Ensino Especial, Professoras Auxiliares Intérpretes, Professora da Sala de Recursos da Regional Centro Sul, Clínica - escola FONO e era aberto às pessoas envolvidas no Projeto. Tinha como objetivo: aprofundar o conhecimento teórico sobre a surdez e a pessoa surda e avaliar o Projeto desenvolvido na EMAVV.

O Grupo de Estudos culminou com um Seminário realizado na EMAVV, aberto a Comunidade Surda, Comunidade Escolar e ao público interessado de um modo geral. A partir dai, o Projeto vem tendo continuidade. Atualmente conta com 24 alunos surdos incluídos, em 7 turmas, do 2º ciclo ao Ensino Médio, com 5 Professoras Auxiliares Intérpretes.

Relato do Diretor da EMAVV

José Antônio Lucas Pereira

A minha experiência no Projeto de Inclusão de Alunos Surdos na Escola Municipal Arthur Versiani Velloso é registrada desde o início, como Professor de Matemática, passando pela coordenação de turno e finalmente como Diretor da EMAVV.

No primeiro ano do Projeto, como professor, é necessário destacar a grande dificuldade que tivemos frente a esse desafio. Estávamos lidando com alunos completamente diferentes, não tivemos a preparação, pedagógica e nem emocional para esta nova tarefa. Entretanto, o grupo de professores abraçou a proposta e hoje os alunos incluídos estão presentes em todos os ciclos e no ensino médio, num total de 7 turmas e destas 5, com a presença da Professora Auxiliar Intérprete em Língua de Sinais. Percebi, durante as minhas aulas, que os alunos tinham mais facilidade com a Matemática, por se tratar de uma disciplina que utiliza muitos símbolos, entretanto, a dificuldade era evidente na interpretação dos problemas com longos enunciados. A presença da professora intérprete, no meu modo de entender é fundamental em todo o processo.

Como Diretor da EMAVV, devo destacar a importância da minha vivência anterior, fator decisivo em minha luta pela continuidade do Projeto. Um dos problemas mais sérios que tivemos durante o desenvolvimento do projeto foi na época em que os primeiros alunos surdos chegaram ao Ensino Médio. A SMED entendia que sendo o Ensino Médio responsabilidade do Estado o atendimento ao aluno com professora intérprete seria somente até o final do ensino fundamental. Além disso, não havia professores interpretes disponíveis na rede para assumirem novas turmas.

A presença da professora intérprete é importante não só na sala de aula, mas também no dia a dia, seja junto à direção ou participando de eventos extra classe como excursões, atividades no auditório etc. Não podemos esquecer que esses alunos surdos, assim como os demais alunos, têm problemas pessoais, familiares e também se envolvem em atritos como os outros alunos.

Hoje temos a garantia de professora intérprete para 5 turmas, uma política voltada para formação de novos profissionais e o entendimento por parte da SMED de que, sendo este um projeto de inclusão, nossos alunos devem ter a garantia de matrícula até o final do Ensino Médio. Duas turmas compostas por professores da rede Municipal e por alguns alunos da EMAVV já estão participando do curso de LIBRAS, realizado pelo CAPE em parceria com a FESEM (Federação das Entidades de Surdos do Estado de Minas Gerais).

Outra decisão importante por parte da SMED foi acatar nossa sugestão de implantação do Projeto para outras regionais, facilitando assim a vida dos alunos e ampliando a responsabilidade que, até então era somente da EMAVV.

Finalmente, é necessário ressaltar a importância e o alcance social desse Projeto. Alguns alunos já estão no mercado de trabalho. Os alunos surdos sentem-se valorizados pelos colegas ouvintes e pelos professores, que hoje têm um comportamento menos surpreso quando se trata de inclusão de alunos com deficiência na escola. A presença destes alunos em uma sala de aula causa no início muita curiosidade, que aos poucos se transforma em solidariedade. Em nossa escola a presença de alunos surdos já é considerada uma rotina, mas é aconselhável que, a escola que pretenda iniciar qualquer Projeto de Inclusão, faça uma ampla discussão do caso como todos os envolvidos e principalmente com a CPP (Coordenação de Política Pedagógica). Gostaria de concluir dizendo que: a mudança de metodologia hoje é uma necessidade, então porque não aproveitá-la para uma mudança mais ampla, onde todos possam ser beneficiados?

Relato de uma Professora para a Rede de Trocas

Andréa de Meneses G. Pinheiro

Professora de Inglês da E.M. Arthur Versiani Velloso

No dia 05 setembro de 2000, fui convidada a participar de uma mesa redonda onde tive a oportunidade de relatar minha experiência como professora de alunos surdos.

A platéia era composta por ouvintes e não ouvintes e havia uma intérprete para estes últimos.

Sou Professora de Inglês e já no inicio de meu relato fui logo dizendo que eu apenas conhecia três dos símbolos de "LIBRAS": um que corresponde à palavra INGLÊS outro a palavra FÁCIL e outro, o último, a palavra DIFÍCIL. Mesmo sem dominar a língua deles, faço me entender e tento entendê-los através de gestos, sorrisos, caretas, indicações de gravuras ou qualquer outra coisa que se possa apontar. Nos comunicamos bem, de um modo geral.

A permanência de alunos surdos em uma mesma sala de aula de alunos ouvintes, faz parte de uma política educacional de INCLUSÃO, que quer evitar qualquer tipo de segregação dos deficientes bem como promover a socialização deles.

Como a presença de Intérprete de LIBRAS não se dá em todas as situações do cotidiano, indagaram sobre a importância da presença ou não da mesma em sala de aula.

A minha resposta foi simples: o intérprete é IMPRESCINDÍVEL bem como para aquela platéia,

naquele momento, era fundamental a presença da intérprete que tornou possível o entendimento de minha fala àquela parcela de pessoas surdas que lá se encontrava.

Gostaria de lembrar ainda que não cabe ao intérprete a única função de decodificar a língua falada ou escrita em sinais compreendidos pelos surdos, ele é a "ponte" entre o "mundo" que o professor quer passar para os alunos e ao mesmo tempo serve de "filtro" entre os dois lados, por isto, quanto maior for a formação do intérprete e quanto maior for a sua visão holística do mundo, melhor seguirá a mensagem que o professor quer e precisa passar.

A Professora Auxiliar Interprete:

um Papel em Construção na E. M Arthur Versiani Velloso

Andréa Ribeiro da Costa

Meire da Fonseca Melo Lima

Terezinha Fernandes Chaves

De acordo com a proposta inicial do projeto, os alunos integrados seriam agrupados em um espaço limitado a frente da sala, tendo uma Professora Auxiliar interpretando os conteúdos desenvolvidos pela Professora Regente.

Sabemos que as relações pedagógicas não ocorrem desta maneira. A presença de um professor a mais na sala de aula e de colegas conversando em uma outra língua interfere na dinâmica da turma.

À medida que ia se dando as interações, novos desafios eram colocados:

Tivemos que romper com a concepção da educação tradicional, trabalhar sobre uma nova lógica, onde o espaço da sala de aula não é mais ocupado por um único professor. É preciso contar com a abertura do Professor Regente e a flexibilidade da Professora Intérprete.

Foi preciso aprender compartilhar nossas práticas pedagógicas no mesmo espaço e tempo, a discutir metodologias e recursos pedagógicos.

O lugar da Professora Auxiliar Intérprete é desafiador, exige uma postura ética com relação ao Professor Regente, aos alunos em questão e ao processo de ensino aprendizagem.

A presença da Professora Auxiliar se torna necessária, principalmente, nos momentos em que a linguagem oral é privilegiada na aula, tornando-se mediadora na relação professor/ aluno surdo/aluno ouvinte, possibilitando aos alunos compreenderem o que está sendo dito e expressarem, sem dificuldades de compreensão, a sua opinião.

Ser usuário de uma língua, a LIBRAS (Língua de Sinais Brasileiras), e escrever em outra, Língua Portuguesa, requer uma elaboração que, compartilhada com a P. A. Intérprete e os colegas surdos contribui para o domínio da Língua escrita.

A leitura exige uma complexa relação do leitor com o texto e o contexto. Talvez esta seja a tarefa mais delicada da P. A. Intérprete. É sabido que a técnica de explorar pistas estimula o esforço dos alunos em ler e interpretar, mas nas intervenções deste tipo, corre-se o risco de antecipar resultados ou subestimar a capacidade do aluno. Deixando de expô-lo ao desafio de apresentar propostas, soluções e dúvidas necessárias à construção da leitura e escrita.

Por outro lado, o reconhecimento da Língua de Sinais nem sempre é uma atitude fácil. Implica uma condição de aprendiz por parte do Professor. Este processo subverte um senso comum do processo educativo escolar onde o professor é o dono do saber. Na relação entre surdos e ouvintes, os alunos surdos detêm o código privilegiado da interação, a Língua de Sinais.

Finalmente, em todas as situações temos que respeitar as duas línguas envolvidas no processo de interpretação, ou seja, o Português e a LIBRAS. Se queremos que o sujeito, surdo, tenha sucesso no processo educacional, o papel da Professora Auxiliar Intérprete, como mediadora, é buscar conhecer o surdo, sua língua, sua cultura, procurando escutá-lo como sujeito do processo educativo, criando laços de confiança e respeito mútuo.

Matéria publicada na GAZETA EMAVV, jornal dos estudantes da E.M. Arthur Versiani Velloso - ANO II - Número 3.

Sem preconceitos... sempre!

Em 1993 começou o projeto de integração de surdos na nossa escola, com 4 alunos. Hoje a escola tem 24 alunos surdos integrados, do 2º ciclo ao ensino Médio.

Conversamos com um aluno da 7ªD que é portador da surdez, veja a entrevista:

"Eu nunca estudei em escola especial, sempre estudei no ensino regular. Eu moro perto da escola e fiquei sabendo que aqui tem um grupo de surdos com um intérprete. Gosto muito de estudar aqui e de ter uma professora intérprete. Eu acho normal conviver com colegas ouvintes, porque desde pequeno eu convivo com eles. Não gosto de deboches em relação a minha língua, e gostaria que os colegas ouvintes aprendessem L.I.B.R.A.S. (Língua Brasileiras de Sinais), porque eu tento fazer leitura labial (Português), que não é minha língua. Eu acho muito importante esta troca".

Fabrizzio, 14 anos.

Nós conversamos também com um aluno da EMAVV que já estudou em escola especial, veja só:

"Fiz até a 4ª série em escola especial. Prefiro essa escola (escola regular), na escola especial eu sofria muito... os colegas da escola especial falavam mal de mim, pareciam que tinham inveja de mim porque tinha colegas com muitas dificuldades para aprender.

Aqui na escola tenho os colegas ouvintes e surdos que são legais comigo.

Estou muito triste, porque mudarei para Governador Valadares... Sentirei muita saudade da EMAVV! ".

Gabriel 7ªD

Devemos respeitar mais as pessoas surdas, pois são iguais a nós. Os surdos aprendem L.I.B.R.A.S. assim como nós aprendemos o português. Não seja preconceituoso antes de conhecê-los melhor.

Caterina Blacher Picorelli e

Amanda Monteiro de Almeida - 32D

Direção:

José Antônio Lucas Pereira

Vinicius Natanael Ramos

Participação no Projeto, direta ou indiretamente:

Comunidade Escolar da EMAVV.

Regional Centro Sul

CAPE

CPP / SMED / PMBH

Sala de Recursos da Regional Centro Sul

Clínica - escola FONO

Entidades de Surdos, que nossos alunos freqüentam ou que oferecem cursos de LIBRAS para alunos e profissionais da EMAVV, através do CAPE.

Funcionários do CEAVV.

BIBLIOGRAFIA

Ferreira Brito, Lucinda. "Adaptações do vestibular as necessidades atuais dos surdos" in: Revista Integração, ano 7, Nº 18, 1997, págs 9 a 12.

Fonseca, Meire. "A integração de Alunos Surdos no Ensino Regular da PMBH" in: Anais - I Seminário Sobre Linguagem, Leitura e Escrita de Surdos - 23 a 26 de março de 1998, págs 175 a 181- Auditório FaE/ UFMG - Belo Horizonte- MG - Promoção CEALE/FaE/UFMG.

Projeto Piloto - "Integração de Surdos no Ensino Regular - 5ª a 8ª série - com Professora Auxiliar Intérprete de Língua de Sinais" - 1992. Clínica Escola FONO/ SMED. Belo Horizonte -MG.

Relatos de Experiências do Projeto Piloto dos anos de 1993 a 2000 - SMEDBH/PP / CAPE, Professoras Auxiliares Intérpretes, Clinica - escola FONO e Escola Municipal Arthur Versiani Velloso.

SKLIAR, Carlos (Org. II.) - "Educação e Exclusão: Abordagens Sócio - antropológicas em Educação Especial"- Porto Alegre: Mediação, 1997.

153 p.(Caderno de Autoria).

 

SUMÁRIO