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2º ENCONTRO: SÍNDROME DE DOWN
Mediador: José Ferreira Belisário Filho- Psiquiatra Infantil
Dia: 08/08/2000
J. M. Maria Sales Ferreira
UMA CAMINHADA RUMO A UMA ESCOLA INCLUSIVA
"Se no transcurso do diagnóstico ou do tratamento
não conseguimos apaixonar-nos por essa vida, nem
pensá-la como um drama onde se está jogando este tipo de
coisas que a mitologia põe um relevo especial , mas que estão
em todos os seres humanos, estaremos banalizando o sujeito. justamente
a possibilidade de (...) fazê-lo surgir como diferente, é
facilitar seu trabalho de recriar-se como pessoa interessante. que sinta
que sua personalidade se diferencia das outras e tem um caminho próprio
que é capaz de construir, que vislumbre uma possível escolha"
( Sara Paín)
O INÍCIO
O Jardim Municipal Maria Sales Ferreira, desde a sua
criação, em 1988, tem a criança como centro de suas
ações, entendendo-a como "ser único, especial,
diferente dos outros."
Revendo o Projeto Político-Pedagógico da
escola, percebemos que não há nenhuma alusão específica
à inclusão de crianças com deficiências, apesar
de, naquela época, já atendermos uma criança com
diagnóstico de paralisia cerebral, durante o processo de discussão
e elaboração deste. Mas a expressão citada acima:
" ser único, especial, diferente dos outros" , consta
no Projeto Político-Pedagógico ( PPP), e nos estimula a
refletir e levantar hipóteses.
Uma das hipóteses que levantamos sobre a ausência
desta discussão no PPP, se deve ao fato de que naquela época
o tema "inclusão" ainda não era debatido de maneira
sistematizada e nem havia uma definição enquanto princípio
político, entendendo a inclusão como direito.
Outra hipótese é que, devido ao princípio
democrático no qual a escola se pautava, estava implícito
o direito de toda e qualquer criança ao acesso e permanência.
Desta maneira, desde 1989, recebemos crianças
com deficiências. Contudo, estas eram recebidas como um desafio
opcional de cada professora, por desejar e acreditar nas possibilidades
dessas crianças.
A INCLUSÃO GARANTIDA POR LEI
Hoje, a inclusão da criança e do adolescente
com deficiências na escola regular é uma realidade e um direito
garantido por Lei e uma diretriz da política pedagógica
da cidade de Belo Horizonte. Consideramos fundamental essa conquista da
sociedade no campo do direito. É importante que essas lutas sejam
legitimadas nos textos legais. No entanto, são várias as
dimensões na busca por uma concepção da inclusão
como direito. A sociedade já conquistou algumas: Uma delas foi
a sensibilização das pessoas e a construção
de uma organização que pautasse e aprofundasse essa discussão.
A outra foi garantir nos textos legais tal sensibilidade e a garantia
do direito. Mas se pararmos na Lei, se nos acomodarmos na imposição
de um direito legal, estaremos desmerecendo toda a trajetória na
conquista desse direito. O percurso entre a garantia da Lei e a realização
plena do direito só se efetiva com a mudança de paradigmas
através da formação.
Acreditamos que receber uma criança com
deficiência, ainda deve acontecer como um
desafio que o professor deseja e abraça com paixão e
não porque é obrigado por Lei. Inclusão por
imposição não contribui para o desenvolvimento da
criança como também para o processo de formação
do professor. No Jardim iniciamos com poucas professoras aceitando esse desafio. Aos poucos,
à medida em que o trabalho foi ganhando maior
clareza e consistência, esse grupo de professores
foi crescendo. No entanto, ainda há inseguranças
e resistências em receber crianças com deficiências.
Mas acreditamos que o princípio da
inclusão deve ser abraçado por todos. Por essa
razão julgamos fundamental a discussão aberta e
com profundidade dessas dificuldades da
professora, mudando os paradigmas, o que só será
efetivado através de uma política de formação
consistente. Uma formação que tenha como objetivo:
- a sensibilidade, quebrando
preconceitos e resistências;
- a superação das inseguranças
pré-estabelecidas;
- a construção de novos paradigmas,
- a construção de
competências específicas, contribuindo
efetivamente no processo de desenvolvimento das crianças;
- o acompanhamento do processo
vivido nessas escolas, com a reflexão e ressignificação da prática.
OS CASOS JÁ ATENDIDOS E
SEUS DESAFIOS
Ao longo desses 12 anos, o
Jardim Maria Sales recebeu:
Ø Seis casos de Paralisia Cerebral,
sendo que todos os casos apresentavam comprometimento da fala. Alguns
além da fala, apresentavam
comprometimento cognitivo e outros,
comprometimento motor e de fala. A criança cujo comprometimento era
no aspecto motor e na fala teve um desenvolvimento muito satisfatório
no processo de inclusão com desenvolvimento integral.
O desafio em todos os casos era
de fato um trabalho no aspecto cognitivo que respeitasse o ritmo dessas
crianças, mas que também desafiasse
as possibilidades de desenvolvimento.
Ø Um caso de Osteoporose infantil
cujo desafio era de fato a boa vontade em carregá-lo, já que temíamos
estimulá-lo no aspecto motor e nos demais aspectos não havia limitações.
Ø Quatro casos de crianças que
tiveram complicações no parto, mas que
a família não tinha um
diagnóstico definido. Os desafios, além de
lidar com a falta de informação do
caso, também foram no trabalho da construção de
conhecimentos específicos.
Ø Dois casos em que realmente ainda
não há um diagnóstico, são síndromes
que estão sendo estudadas. O desafio também consiste em lidar com a
falta de informação, gerando insegurança
no trabalho.
Ø Um caso de Síndrome de Joubert,
o desafio gratificante foi um trabalho de parceria com outros profissionais
e família, que possibilitaram um desenvolvimento satisfatório.
Ø Um caso de Oligofrenia
com dificuldade de fala, o desafio era a
não conservação do aprendido.
As conquistas eram comemoradas e de
repente se perdiam.
Ø Quatro casos de Síndrome de
Down. O desafio consiste na construção
de regras e limites, na organização de
um trabalho significativo com relação
à coordenação motora fina e
na construção de conhecimentos específicos.
Ø Muitos casos onde a história familiar
é complicada acarretando dificuldades emocionais, baixa auto-estima,
poucas oportunidades socioculturais e dificuldades de aprendizagem.
Os desafios são a relação com as
famílias e um atendimento adequado à
criança nos diversos aspectos. Esses são
os casos mais comuns e nos quais menos avançamos. Como elas não
trazem marcas físicas e envolvem a
estrutura sócio-econômica dessa
sociedade excludente, vão seguindo com seus rótulos e suas dificuldades
e alimentando em nós a angústia da
nossa impotência e das nossas dificuldades.
Contudo, em todos esses casos citados acima, o desenvolvimento
foi gratificante, tanto no aspecto emocional, sócio-afetivo e lingüístico. Mas
na compreensão e construção
de conhecimentos específicos, inclusive da língua escrita sempre consideramos que
um trabalho mais específico teria
possibilitado um desenvolvimento mais efetivo.
A FAMÍLIA
Na relação com a família, temos
enfrentado o desafio de lidar com a confusão de
sentimentos que envolvem:
Ø CULPA pela deficiência do filho,
inclusive impedindo que trabalhem as possibilidades
de desenvolvimento e as regras e limites necessários à convivência social;
Ø VERGONHA de expor as dificuldades do
filho aos outros, às vezes preferindo
"escondê-lo" ou segregá-lo;
Ø DESCONFIANÇA com relação à
aceitação e ao tratamento que será dispensado ao
filho, temendo, o tempo todo, que ele seja discriminado. Muitas vezes chegam a omitir
o diagnóstico do filho, no ato da prévia e
na matrícula;
Ø GRATIDÃO / RECEIO em exigir
um atendimento adequado e de qualidade, num sentimento de que estão recebendo um favor.
Ø DÚVIDA com relação à escolha de uma
escola regular ou de uma escola especializada
Ø EXPECTATIVA de que o filho tenha
condições de desenvolver como ou tanto quanto os outros.
Existe também a ACEITAÇÃO e
o COMPROMISSO INCONDICIONAL com o desenvolvimento do filho, tornando-se
grande parceira nessa conquista.
Durante esses anos em que recebemos
essas crianças, é visível a diferença no
desenvolvimento da criança quando as famílias
já conseguem superar os sentimentos de
vergonha/culpa da deficiência do filho. Quando
realmente aceitam essa realidade e têm condições
financeiras e/ou buscam conhecer seus direitos e
possibilidades de ajuda e atendimento ao filho, desde o
seu nascimento, as nossas iniciativas em construir parcerias e um trabalho conjunto sempre são
mais efetivas.
INCLUSÃO NA ESCOLA REGULAR E
O ATENDIMENTO ESPECÍFICO
A inclusão da criança com deficiência
na escola regular só será expressão de um
direito quando essa criança receber, na escola regular,
um atendimento específico, e assim, como todas
as outras, ser respeitada no seu ritmo e no seu
direito, ser desafiada a superar seus limites.
Uma questão fundamental no
atendimento com qualidade a essas crianças é a
materialidade necessária. A formação do professor
ganha centralidade nesse aspecto, mas não é a
única questão a ser considerada. A adequação do
espaço físico, a organização do trabalho e dos tempos,
a riqueza e adequação dos materiais pedagógicos,
o apoio técnico, humano e as parcerias externas
são alguns dos aspectos a serem garantidos.
Desde o início o Jardim vem
enfrentando dificuldades com relação à estrutura
física. Contamos com um espaço externo
privilegiado, porém que apresenta dificuldades para as
crianças com deficiências físicas. Já a área construída
é inadequada para qualquer criança.
Nesse período também sentimos
a insuficiência de apoio humano, técnico e
material, razão pela qual o trabalho pedagógico estar
sendo mais intuitivo. Hoje, até contamos com
estagiárias, apoio do CEI, da sala de recursos,
palestras, intercâmbios de experiências e o contato com
os outros profissionais que também trabalham com
a criança, além de apostilas, andadores etc.
Mas sentindo as dificuldades do cotidiano e
refletindo sobre a concepção de inclusão de Maria Teresa
E. Mantoan, temos dúvidas se esse modelo de
apoio à inclusão que vem sendo adotado pela SMED é
o mais adequado.
O FAZER PEDAGÓGICO
A proposta pedagógica do Jardim
Maria Sales, tem como objetivo possibilitar à
criança vivenciar situações que a estimulem pensar,
refletir, opinar, criar, participar, conviver, relacionar
e construir seu próprio conhecimento,
considerando-a e valorizando-a na sua singularidade.
Para isso, vamos construindo nossa
rotina coletivamente, onde todas as crianças têm
espaço garantido para fazer propostas e discutir a
melhor forma de viabilizá-las. Nesse processo,
vamos percebendo as diferenças/semelhanças na forma
de nos relacionarmos uns com os outros e a necessidade de combinarmos algumas regras
de convivência de grupo, respeitando a diversidade
e desenvolvendo atitudes de cooperação.
Acreditamos num trabalho com projetos
e atividades significativas, que partem do conhecimento e interesse das crianças, dando
ao ato de aprender um sentido rico onde elas
decidem o que e para que estão aprendendo. As
atividades diversificadas ganham importância na sala de
aula, tendo em vista o atendimento individual ou
em pequenos grupos.
AS QUESTÕES ATUAIS
As diversas e diferentes crianças
que atendemos nos ensinaram muito, nos trouxeram alegrias, angústias e desafios. Sempre
tentamos construir respostas que nas condições
que dispúnhamos, trouxeram uma
satisfação momentânea. No entanto, duas
discussões persistiram em todos os casos sem que
definíssemos uma posição unificada: a da retenção ou não
dessas crianças e a relação a ser estabelecida na
turma.
Com relação ao tratamento a ser
construído na e com a turma, há posições divergentes
entre considerar a criança como sendo diferente num
Na dedicatória do livro A
Inteligência Aprisionada, a autora Alicia Fernandes escreve: "... que um dia tenhamos coragem de
desenvolver-lhes o conhecimento". Acreditamos que o
primeiro passo para atingir esse patamar já foi
conquistado pela Rede Municipal de Belo Horizonte, ao
definir pelo princípio da inclusão. As crianças
com deficiências estão incluídas na instituição social
que tem como função específica coordenar a
construção e sistematização do conhecimento. E agora?
· Simples acesso significa inclusão?
· É garantia de direito?
· No jardim esta é uma discussão
que ainda nos traz muita angústia, existe a vontade de " desenvolver-lhes
o conhecimento", mas e competência? Onde e como garanti-la?
· Como superar o trabalho intuitivo
e conseguir efetivar um desenvolvimento real nas diversas áreas?
Neste sentido, é necessário
avançarmos para outro patamar. Para isso precisamos ir
além dos clichês tentadores, mas tão perigosos.
"Para aquelas palavras e frases que a
gente usa com frequência, o impressor conserva
conjuntos de tipos já compostos. E essas frases já
feitas chamam-se clichês (...) porém, se o
impressor quer imprimir algo novo, digamos, algo em
um idioma diferente, tem que desarmar todos os conjuntos velhos de letras. Da mesma maneira,
para pensar novas idéias ou dizer coisas novas,
temos que desarmar nossas idéias feitas e misturar
as peças." ( Gregory Bateson )
Pensamos que nós das escolas
e principalmente a SMED (através de seus
órgãos formadores), precisamos desarmar nossos
clichês tanto no discurso quanto na escuta. Quando
as crianças, famílias e professores expõem
suas dificuldades merecem uma escuta mais
verdadeira e efetiva.
Neste sentido, finalizamos enfatizando
que no Jardim Maria Sales temos tentado com muita vontade e compromisso atender com
qualidade, essas crianças com deficiências, mas ainda
não consideramos que o direito a um
desenvolvimento integral está garantido. Por isso deixamos
uma questão a ser refletida:
· A professora que recebe a
criança com deficiência sente solidão
ou solidariedade/parceria?
· Que significaria acabar com o sentimento de solidão
dessas professoras?
· Como ampliar o leque de parcerias?
Na realidade o grande desafio tem sido
lidar com o diferente seja qual for sua nuance, até
mesmo a criança que avança mais rapidamente que
os colegas no seu processo de desenvolvimento, nos traz dificuldades. Se o igual não existe, de onde
será que vem essa nossa dificuldade de lidar com
o diferente?
Professoras: Andréia da Cruz Lucas
Maria Jeane de Souza Machado
Ednéia da Luz
Coordenação: Stefânia Padilha Costa
Direção: Regina Augusta Lauar Silva Pinto
Rita de Cássia Gomes
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