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1º ENCONTRO: PARALISIA CEREBRAL

Mediadora: Vânia Loureiro da Silva- Pedagoga do Hospital Sarah

Dia: 27/06/00

E.M. João Camilo de Oliveira Torres

A Escola Municipal "Professor João Camilo de Oliveira Torres", a quem carinhosamente chamamos de EMJOCAT, situa-se à Rua Ester Batista, nº 12, Bairro Califórnia, em Belo Horizonte, MG.

É uma escola grande, em um terreno bastante arborizado, com 16 salas de aula, Biblioteca, sala de Artes, sala de vídeo, auditório, 2 quadras e cantina que são distribuídas em quatro blocos. Inaugurada em 13 de Novembro de 1976, construiu sua história no bairro e é muito considerada e respeitada pela comunidade. Hoje atende 860 alunos entre Ensino Fundamental e Educação Infantil, em dois turnos de trabalho. Conta com 49 profissionais da educação, sendo que 7 deles trabalham em jornada dupla formando um quadro de 56 professores para atender 31 turmas, incluindo a direção e coordenação. Tem em sua equipe de apoio 20 profissionais entre cantineiras, auxiliares de limpeza, auxiliares de secretaria e vigias. A atual administração está composta por Elizabeth Faria Rocha Vilas Boas e Marisa Helena Martins Lopes e a coordenação pedagógica por Márcia Londe Alves de Souza, Maria das Graças Melgaço de Oliveira e mais professores eleitos por seus pares para coordenação de cada ciclo.

Em 1998 a EMJOCAT viveu um grande desafio. Conhecemos Franklin.

Franklin , nasceu aos 27 de Agosto de 1991, portador de Paralisia Cerebral Múltipla o que o tornou tetraplégico com movimentos muito sutis apenas no pescoço, porém sem sustentação da cabeça e apenas balbucios que dificilmente são identificados com exceção das palavras SIM e NÃO.

Sua família vivencia sérios problemas financeiros, o que a impede de adquirir bens necessários a seu melhor conforto e atendimento a suas necessidades especiais. Tem mais dois irmãos que são normais. Com a família também mora uma tia, Soélia, com quem tem muita afinidade e de quem recebe muito carinho.

Franklin chegou à Escola João Camilo, no início de 1998 para cursar o 1º ciclo do Ensino Fundamental.

Receber uma pessoa portadora de uma deficiência múltipla em uma escola comum parece, `a princípio, impossível de acontecer. Mas quando os fatos são reais, é preciso tentar. De fato, acolher Franklin não foi uma tarefa fácil. Tudo aconteceu da seguinte forma:

Em Janeiro de 98, a diretora, Profª. Elizabeth, recebeu um telefonema de Vânia Loureiro, pedagoga do Hospital Sarah, onde Franklin recebe toda assistência médica de que necessita, inclusive o serviço de fisioterapia e atendimento pedagógico. Durante o telefonema, Vânia nos comunicou que a Secretaria Municipal de Educação, havia indicado nossa escola para receber Franklin e que a mãe da criança gostaria de visitar-nos a fim de nos conhecer e passar as informações necessárias à respeito do filho.Elizabeth então, respondeu à Vânia, que seria melhor esperar a volta das professoras em Fevereiro para dividir com elas o problema pois, para a direção da escola fica fácil dizer sim, quando, na verdade são os professores que estariam rotineiramente com a criança e que a mãe poderia vir para conhecer a escola . Passados alguns dias, Cláudia veio à escola com o Franklin e apesar de suas limitações serem muitas, ele é dono de um carisma muito grande e de imediato conquistou Elizabeth, que se preocupou muito: "o que poderemos fazer por esta criança?; como convencer os professores a recebê-lo, com tantas limitações? Combinou, então, com a mãe o que já havia combinado com Vânia.

Na primeira reunião pedagógica do ano, Elizabeth colocou a situação aos professores e o primeiro impacto foi negativo e no turno da tarde, a equipe se recusou a recebê-lo, pois já haviam trabalhado com outras três crianças portadoras de deficiência e alegaram já estarem desgastadas com esta situação de inclusão sem recursos adequados e treinamento especial. Passando então a situação para o turno da manhã, onde neste ano funcionaria apenas uma turma cuja idade e característica eram adequadas ao aluno. A reação foi também de recusa, com vários questionamentos, inclusive temendo que a escola se tornasse um ponto de referência para sempre receber alunos portadores de deficiência.

Depois de muitos questionamentos por parte do coletivo, a professora Maria de Fátima Moreira de Carvalho, sensibilizada com a situação, decidiu ficar com a turma e aceitar o Franklin.

Nesta mesma reunião decidimos, em primeiro lugar conhecer melhor a situação do aluno para sabermos como lidar com ele e encontrarmos estratégias para atendê-lo bem. Optamos por solicitar a presença da equipe do hospital Sarah para melhores informações.

A equipe sob a coordenação de Vânia, compareceu à escola e promoveu uma palestra sobre Paralisia Cerebral e explicou em que situação clínica se encontrava a criança, orientando também sobre a questão pedagógica, que era nossa maior preocupação por ter passado a ser de nossa exclusiva responsabilidade.

Conscientes de que a área cognitiva da criança estava totalmente preservada, resolvemos partir para o trabalho prático que nós denominamos "Atividades Alternativas".

Quando comunicamos com a família de nossa decisão houve muita alegria associada `a muita ansiedade e expectativa. Emocionados, os pais conversaram muito conosco e ficou decidido que, a princípio, a mãe seria sua acompanhante e depois que passasse o período de adaptação , sua tia, Soélia, assumiria, pois o Franklin precisa de ajuda para ir ao banheiro e para se alimentar, já estando acostumado com ela.

Pedimos a seus pais para que trouxessem o Franklin para que o conhecêssemos antes de começar a frequentar as aulas.

No dia seguinte, Franklin chegou todo sorridente. O sentimento de vê-lo pela primeira vez foi algo inexplicável, confessa a coordenadora. Conversamos muito, mostramos a ele as dependências da Escola e após sua ida, passei de sala em sala com o objetivo de anunciar a chegada de Franklin e conscientizar os alunos de sua situação para que pudessem recebê-lo da forma mais tranqüila possível.

Finalmente, chegou seu primeiro dia de aula. Enfrentamos dias difíceis tanto para ele, quanto para nós e sua família.

Depois de inúmeros ajustes, tivemos que tomar algumas atitudes. Primeiro promovemos um encontro com todos os pais de colegas do Franklin para conscientizá-los de toda a situação, visto que já havia recebido vários telefonemas de queixas e lamentações dos pais pelos seus filhos. Em segundo lugar, tivemos que conversar com os pais de Franklin para pedir a eles que confiassem mais em nós e demonstrassem para o filho este sentimento. A impressão que tínhamos é que os pais se sentiam extremamente inseguros em deixar o filho conosco.

Apesar de tudo, perdemos uma aluna pois os pais dela não concordaram com a convivência de sua filha com um portador de deficiência, temendo que isto prejudicasse o andamento do processo ensino-aprendizagem.

Quando sua tia passou a acompanhá-lo a situação ficou mais tranqüila, pois a tia é calma e lidava com Franklin com carinho, muita determinação e menos ansiedade que a mãe.

É importante salientar que a presença de um membro da família era necessária pois, como já foi dito anteriormente, ele necessitava de ajuda para ir ao banheiro , para se alimentar e também por não possuir nenhuma coordenação motora precisa de auxílio para se manter assentado e para manter o pescoço em pé.

Para sua professora, Fátima , falar de Franklin é muito emocionante, pois ele é uma criança que cativa as pessoas com muita facilidade. É inteligente, interessado e responsável.

Fátima teve uma conversa com seus alunos, antes do Franklin chegar, para lhes explicar sobre sua deficiência.

O seu primeiro dia foi surpreendente para todos. Seus colegas o receberam com carinho, respeito e muita curiosidade. Durante os dois anos que passaram juntos foi sempre assim, muito carinho, respeito e compreensão, mas também muitas dificuldades. Sua professora nunca havia tido contato com crianças portadoras de paralisia cerebral. Passava noites sem dormir, pensando como faria no outro dia. Não era fácil.

Franklin usava uma cadeira especial, feita para ele pelo Hospital Sarah, além disso, precisava usar um colar cervical para que mantivesse seu pescoço firme e um apontador preso a um capacete para apontar as atividades escolares, mas ele não suportava nem o colar nem o apontador e chorava muito. Ficava nervoso e agitado. A professora percebeu que sem estes aparelhos, ele ficava mais tranqüilo e conseguia participar das atividades sem prejudicar o trabalho da turma que também se agitava quando ele estava inquieto.

A cada dia, Franklin surpreendia Fátima mais e mais, dava uma lição de vida , demonstrando toda aquela força de vontade de vencer, de aprender, de ter um relacionamento com os colegas, mesmo com todas as suas limitações. Toda a família da professora ficava encantada ao saber como Franklin estava se desenvolvendo em sua aprendizagem, em seu relacionamento com a turma e com todo o pessoal da escola. Franklin passou a ser um estímulo para que a professora continuasse com tanto entusiasmo.

Para que a assistência a Franklin não prejudicasse o resto da turma, o grupo de professoras do 1º turno foi acionado para ajudar neste trabalho. Durante seu primeiro ano de escolaridade, cada professora participou com uma hora do horário de projeto para estar na sala com a Fátima, dando assistência individual ao Franklin que com seu jeitinho e seu sorriso cativou uma a uma, até as mais resistentes. Este rodízio de professoras, de hora em hora, também não era fácil para ele, para a turma e para Fátima. Algumas professoras conseguiam ajudá-lo, outras tinham medo de machucá-lo, outras pensavam que nem valia a pena tanto sacrifício para ensinar uma criança como aquela, a ler e escrever. A movimentação em sala de aula era grande: uma professora de hora em hora, um membro da família constantemente e mais 27 alunos.

Com o passar dos dias mais um fato foi observado pela professora, Soélia, tia do Franklin, tendo 17 anos, não era alfabetizada. Todas as vezes que precisava ler alguma coisa para ajudá-lo nas atividades, não conseguia. Mas ficava muito interessada e atenta às atividades, Fátima começou então, a lhe dar mais atenção, considerando-a como mais uma aluna e no final do ano observou que Soélia já começava a ler e a escrever algumas palavras.

No ano seguinte, Soélia passou a freqüentar a escola regularmente, em outra turma, separada do Franklin, para poder aprender melhor, ficando combinado que ela seria solicitada somente para atendê-lo em suas necessidades físicas, já que não aceitava outra pessoa e Fátima decidiu continuar com a turma atendendo Franklin, já que o conhecia e já havia se acostumado com ele.

No segundo ano recebemos uma estagiária encaminhada pela Secretaria Municipal de Educação - SMED, que ficava diretamente com Franklin em sala de aula e sua tia continuava ajudando-o na merenda e banheiro.

O trabalho com o Franklin era sempre através de uma resposta alternativa:

Fátima ou a estagiária, Alessandra, iam apontando as atividades e ele respondia , balbuciando SIM ou NÃO, quando estava certo. Eis alguns exemplos:

1) MOSTRE SEU NOME:

FÁBIO - FRANKLIN - FERNANDO

2) APONTE AS PALAVRAS QUE COMEÇAM IGUAL A DINAH:Dado dedo

ana bola

3) APONTE AS PALAVRAS QUE EU VOU FALAR:

FOFÃO FIGO FERNANDA

ANA AMORA ANTÔNIO

BICO BANANA BEBÊ

4) QUANTAS LETRAS TEM O NOME FRANKLIN:

7 6 8 9

5) QUAL É O CONJUNTO MAIOR?

6) APONTE O CONJUNTO QUE MOSTRA A QUANTIDADE 6:

7) MOSTRE QUAL É A ORDEM CORRETA DOS NUMERAIS:

4 5 6 7 2 3 1 0 8 9

3 4 5 1 2 0 1 6 7 8 9

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

8) NA OPERAÇÃO ABAIXO, QUAL É O RESULTADO?

3 2 72 _ 45 _ 46

+ 1 4

_______

Franklin saiu da escola reconhecendo as cores, os numerais até 99 e como se constitui o sistema de numeração, realizando leituras de textos, se expressando com balbucios e já com algumas palavras e demonstrando a compreensão dos textos através das respostas que dava às perguntas de interpretação.

Franklin é uma criança especial.

A professora Fátima, se sente hoje muito triste e preocupada pois, a família de Franklin teve necessidade de se mudar e ele não continua estudando, porque a Escola próxima à sua casa não o aceitou como aluno, alegando "falta de vagas" e, para trazê-lo para nossa escola fica impossível devido à distância e a situação financeira em que a família se encontra.

Alguns momentos que marcaram:

ü Durante nossas Horas Cívicas, Franklin exigia que quem o carregasse ficasse de pé segurando-o, também, o mais em pé possível e cantava

ü Não aceitava ficar sem atividade durante as aulas de Educação Física, por isso a Professora Adriana tinha que encontrar Atividades Alternativas para ele, que na maioria das vezes, eram realizadas no colchão, com a estagiária ou sua tia ministrando as atividades com bolas ou movimentos físicos.

ü A primeira vez que Franklin leu foi um momento em que a escola parou. Ficamos emocionados porque ele leu todo o texto em voz alta, balbuciando cada palavra muito próximo ao normal e após sua leitura respondeu perguntas de interpretação corretamente. Foi um alvoroço, a notícia se espalhou rapidamente, todos queriam ouví-lo e ele, que não é nada "bobo", percebeu e gostou do sucesso que estava fazendo.

ü A coordenadora, às vezes tinha que se fazer de durona, principalmente quando precisava chamar-lhe sua atenção como com qualquer outro aluno. Certa vez ele não queria fazer as tarefas e ficava soltando uns gritinhos, incomodando muito a turma. Fátima solicitou minha presença e ao me deparar com ele foi muito difícil para mim tirá-lo da sala para conversarmos e convencê-lo de que participar da aula seria melhor.

ü Durante um recreio em que sua mãe estava presente na Escola, ela percebeu que Franklin estava muito interessado em assistir os seus colegas pularem corda. Então, ela o segurou e pulou corda com ele. Foi um episódio emocionante para todos que estavam presentes. Ouvia-se de longe os gritos e risos descontrolados da tamanha satisfação da criança.

Considero de extrema importância ressaltar aqui que, antes de receber o Franklin, nossa Escola já havia recebido outros alunos com deficiências diversas.

Em 1993 recebemos Rafael, portador de deficiência visual, com 6 anos, em fase de alfabetização. Logo percebemos que ele era muito inteligente, questionador e criativo, se tornou bastante popular e querido na escola. Alfabetizá-lo era uma tarefa difícil, um desafio, já que nunca havíamos lidado com esta situação, mas com o apoio pedagógico da Fundação Hilton Rocha, que traduzia suas atividades para o Braille, conseguimos, com muito esforço, alfabetizá-lo.

Após o processo da alfabetização, sentimos necessidade de ter a máquina de Braille para que o Rafael pudesse participar melhor das aulas. Fizemos uma campanha envolvendo toda comunidade e conseguimos o dinheiro para aquisição dessa máquina. Para usá-la melhor a professora de Rafael fez o Curso de Braille, mas, mesmo assim, muita coisa ainda ficava a desejar porque não era possível traduzir todos os livros,textos, provas e atividades em tempo hábil.

Rafael ficou conosco até a conclusão da 3ª série, hoje está na Fundação São Rafael se saindo muito bem.

Além do Rafael, recebemos uma aluna com paralisia cerebral parcial. Para se locomover precisava de um andador. Sendia ficou conosco por dois anos. Foi alfabetizada e se adaptou muito bem. Hoje está em uma escola especializada porque necessita de muitas atividades físicas : natação, fisioterapia, etc.

Temos mais dois alunos com deficiência: Fabíola com deficiências motoras brandas que afetaram a fala e a coordenação motora, mas é muito inteligente. Está conosco desde os 6 anos de idade e hoje cursa o 3º ciclo e Frederico que tem deficiência mental, está com 19 anos de idade, mas apresenta aproximadamente, 12 anos de idade mental. É muito querido pelos colegas e pelos professores. Apresenta muitas dificuldades, mas é muito esforçado, por isso apostamos no seu sucesso.

A Educação Inclusiva é um projeto extraordinário, porém incluir a criança não significa apenas colocá-la na Escola. É preciso efetivar a inclusão como parte de uma nova cultura porque depende da consolidação de um compromisso comum entre a constituição que direciona, a instituição escolar que necessita se adaptar na sua estrutura física para atender a criança e da sensibilização ética, atitudinal e de formação profissional que o docente necessita para se relacionar e acompanhar o processo da construção do conhecimento que a criança portadora de atenção especial necessita para realmente integrá-la na sociedade como agente de aprendizagem e íntegro cidadão.

Professora: Maria de Fátima Moreira de Carvalho

Coordenação: Márcia Londe Alves de Souza

Direção: Elizabeth Faria Rocha Vilas Boas

Marisa Helena Martins Lopes

 

SUMÁRIO