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4º ENCONTRO: DEFICIÊNCIA
VISUAL
Mediadora: Elizabet Dias de Sá- Coordenação de Política
Pedagógica- SMED/ BH
Convidado: Antônio José de Paula- Professor da Escola Estadual
São Rafael
Dia: 19/09/2000
1º relato
E.M. Padre Henrique Brandão
UM CAMINHAR
O aluno Maurício chegou à escola, matriculado
no 1º Ciclo, em fevereiro de 1999, com 7 anos.
Logo que chegou, notamos sua dificuldade visual e, através
de uma conversa com a mãe, tomamos conhecimento que ele é
portador de deficiência visual nos dois olhos, tem em um olho um
campo visual bem reduzido e é completamente cego do outro, em decorrência
de deslocamento de retina.
Entramos em contato com a Associação de
Pais dos deficientes visuais _ APADV, onde o aluno estava sendo atendido.
Recebemos o representante da APADV, que nos deu algumas orientações
sobre como o trabalho deveria ser desenvolvido com o aluno. A primeira
orientação foi que a escola deveria adquirir uma carteira
especial, que fica em formato de uma prancheta, e que a professora deveria
passar canetinha hidrocor preta em todas as atividades. A carteira foi
adquirida pela Escola, através de recursos da Caixa Escolar.
No ano de 2000, o aluno foi para a sala da professora
Sílvia Cristina:
"A primeira sensação que tive foi a de que
tal situação fugia completamente do que até então
eu sabia. Não aprendemos na Escola a lidar com o que foge à
regra geral, não recebemos formação que nos torne
aptas, experts no assunto. Mas por outro lado, você se depara
com uma criança que não está ali lhe fazendo qualquer
exigência, apenas quer aprender e tem na professora uma referência
inabalável. E não há como ignorar isto."
A turma, na qual está inserido o aluno, é
formada por crianças entre sete e oito anos, que haviam cursado
o primeiro ano do Ciclo. A enturmação se deu pelo critério
da idade e dos avanços na aprendizagem. Sua deficiência visual
não foi usada como critério.
O aluno é uma criança agitada, mas mostra-se
interessado e participativo. Relaciona-se bem com os colegas e professores
sendo bem aceito no grupo. É responsável e esperto. No início,
estava a todo momento de pé e se concentrava por poucos minutos.
Era muito indisciplinado, daquelas crianças que o professor tem
que estar a todo momento policiando seu comportamento e chamando sua atenção.
Com o desenvolvimento do trabalho, ele aprendeu a obedecer aos "combinados",
concentra-se mais, participa mais ativamente das aulas e hoje já
não é preciso mais lembra-lo das regras, a simples fala
"Maurício!" é o suficiente.
Recebi como única orientação, que
todas as suas atividades teriam que ser reavivadas com canetinha preta.
O "como trabalhar" com ele foi no dia a dia da relação
aluno x professora que se deu. No princípio, passei canetinha preta
nas atividades sem alterar o tamanho da letra, indagando se estava visível
e através do relato de Maurício sobre o que estava enxergando,
fui fazendo as modificações necessárias. E é
assim que estamos trabalhando ao longo deste ano: sempre pergunto se está
bom e através da sua resposta vou fazendo as adaptações
necessárias para sua melhor compreensão.
Uma preocupação que tive desde o início e
que procurei trabalhar com ele e toda a turma foi a de que sua deficiência
visual não o faz diferente dos outros coleguinhas. Parti de um
trabalho individual com o aluno: procurei medir sua auto-estima e como
ele entendia sua dificuldade visual. Conhecendo a postura da criança,
busquei sua relação com os demais coleguinhas de sala. Observei
que o aluno é uma criança bem aceita no grupo, que se relaciona
muito bem com os demais colegas e participa ativamente de todas as atividades
intra e extra classe. Assim, o aluno e os coleguinhas sabem e entendem
sua deficiência visual e compreendem que isso não o faz diferente.
Ele faz as mesmas atividades que as demais crianças,
na maioria das vezes, com a única diferença de tê-las
reavivadas por canetinha. Isto se torna possível por ter o aluno
um resíduo de visão. O tamanho da letra ele diz que é
visível, porém, ele ainda se encontra em processo inicial
de alfabetização. Acredito que quando ele já estiver
totalmente alfabetizado, a questão do tamanho da letra poderá
ser melhor avaliada.
Ele só enxerga os exercícios desenvolvidos
no quadro quando escritos com letras bem grandes. Eles têm que ser
transcritos em uma folha para que o aluno possa acompanhar e vir a realiza-los.
Da mesma forma, a correção que ele não consigue acompanhar
oralmente é transcrita em folha à parte para sua conferência.
Outro recurso que utilizo muito é o trabalho com
cartazes e o material concreto. Por estar a turma no processo de alfabetização,
concilio o útil ao agradável. De um lado, enriqueço
a aprendizagem com os cartazes das leituras estudadas e o manejo de letras
e sílabas e de outro, há uma melhor visualização
pela classe e, principalmente, pelo aluno. Na Matemática trabalho
da mesma forma, com muito material concreto e utilização
de cartazes sempre que possível.
Quanto à aprendizagem, o Maurício é uma criança
que apresenta um bom raciocínio lógico, caminhando bem em
Matemática. Em Português apresentou pequenos avanços
no 1º semestre do ano. Encontra-se ainda, no nível pré-silábico
na construção da escrita, mas vem apresentando significativo
avanço no 2º semestre. Analisado o todo da turma, tenho crianças
com mais dificuldades na aprendizagem do que ele e, se partirmos para
uma análise individual, podemos considerar que neste pouco período
de vida escolar (um ano e meio), os avanços foram grandes.
Mas, uma das maiores dúvidas é a de que
até que ponto nós, enquanto profissionais da educação,
estamos sabendo lidar com esta criança portadora de necessidades
especiais; será que estamos trabalhando da melhor forma? Não
é nada fácil e, à primeira vista, tal situação
nos causa grande receio. Exige de nós, professores, um plus que
não fez parte de nossa formação, um doar-se, que
não fica adstrito apenas ao interior da sala de aula, e o profissional
da educação tem que estar aberto e disposto a tal empreitada.
Mas seria esta a forma ideal? Não temos, aqui, a pretensão
de indicar o melhor caminho. Esta caminhada é longa e demanda ainda
muitas discussões e estudos. A nossa intenção ao
realizar esse relato de experiência é a de que ele sirva
para promover o debate na busca do melhor caminho a se seguir".
Professora: Sílvia Lage Gomes
Coordenação: Edna Fátima Ramalho
de Carvalho
Direção: Maria de Fátima Furst Chaves
Ana Maria Nunes de Sá Martins
2º relato
E. M. Elisa Buzelin
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
A Escola Municipal Elisa Buzelin está situada
na rua Jair Afonso Inácio nº 277 _ Bairro Piratininga. Funciona
em três turnos. Ela está inserida no Programa "Escola
Plural" com dois ciclos completos. O quadro profissional é
formado por Diretor e vice-diretor, três coordenadoras pedagógicas
33 professores, dois auxiliares de serviço, um agente administrativo,
sete auxiliares de serviço dois auxiliares de biblioteca. O número
de alunos da escola corresponde a 800.
Pela Constituição Federal, Capítulo
II, Seção I, art. 205, " a educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade(...)"
. Por si, este artigo já valeria para as pessoas com deficiência.
Além disso, o artigo 208, inciso III reassegura o "(...) o
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino".
A prática da inclusão social na Escola
Municipal Elisa Buzelin se tornou uma realidade palpável desde
o dia em que o Gustavo chegou neste lugar. É claro que temos outros
alunos que podem muito bem encaixar-se nesse processo. Mas, como forma
de registro foi o primeiro caso aceito como "aluno incluído".
Esta prática se baseia em princípios diferentes
do convencional, desde a aceitação das diferenças
individuais, da valorização de cada pessoa, na convivência
dentro da diversidade humana, como também na aprendizagem por meio
da cooperação.
A história de Gustavo é extremamente
animadora. Ele tem oito anos, mora com os pais
e sua irmã. Gustavo tem mais quatro irmãos por
parte da mãe que moram com o pai. Ele é uma
criança que passeia muito, gosta de brincar com
videogame, adora viajar e festas de aniversário.
O aluno é portador de TETRALOGIA
DE FALOT, uma deficiência na válvula do
coração. Passou por uma cirurgia que corrigiu esse
problema. É considerado um aluno com deficiências
múltiplas: MICROCORNIA E MICROOFTALMIA que
o deixa com uma baixa acentuada na visão, não
tendo a visão periférica, apenas a central; surdez
severa (80DB) no ouvido direito e surdez profunda (100DB) no ouvido esquerdo.
Gustavo iniciou seu processo
de escolarização na escola especial, onde
percebeu-se que o aluno apresentava um grande potencial
para a aprendizagem e, portanto, optou-se pela sua integração na rede regular de ensino. Antes de
chegar à Escola Municipal Elisa Buzelin, passou por
outra escola da Rede Municipal. Desde a sua entrada
na rede regular de ensino, tem sido acompanhado
pela Sala de Recursos de Venda Nova. Esse acompanhamento, deixou os professores
menos ansiosos e mais confiantes, além de
proporcionar ao aluno uma atenção maior e exclusiva para o
seu desenvolvimento físico, emocional, intelectual
e motor.
A vinda de Gustavo para a Escola
Municipal Elisa Buzelin foi carinhosamente preparada
pela professora da Sala de Recursos, devido a
nossa total inexperiência com alunos com esta situação,
proporcionando-nos uma "oficina de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais)", onde nos foi
ensinado alguns sinais básicos e essenciais à
comunicação. Mesmo assim, a situação nos causou um
certo impacto, principalmente porque sempre nos julgamos despreparados para assumirmos tal
papel, quando se diz respeito a ensinar uma criança
com deficiência visual e auditiva.
Houve resistência e vários fatores
contribuíram para a sua inserção na sala em que
ele se encontra atualmente. No primeiro momento, pensamos em colocá-lo em uma turma
observando o seu desenvolvimento psicomotor, sem se
importar com a sua idade. Esta sala estava no processo
de alfabetização, demonstrava ser lenta e exigiria
um trabalho mais detalhado e moroso. Além disso,
era uma turma em que os alunos se mostravam
bastante inquietos, não conhecedores das regras e
limites escolares. Esse detalhe, impossibilitou a
sua permanência, já que essa agitação eram
recebida pelo Gustavo como uma agressão.
Em uma de suas visitas, a professora da
Sala de Recursos nos levou a perceber mais
claramente essa situação e mostrou-nos a necessidade
de reenturmá-lo em uma outra sala. Várias
alternativas surgiram dentro de uma reunião com o coletivo
da escola. Nesta reunião, cada profissional foi
expondo as dificuldades e limitações que teriam em
receber o aluno, observando principalmente o perfil da turma.
Com iniciativa própria, uma das
professora, se dispôs a recebê-lo, já que sua turma estava
um pouco avançada no processo de
alfabetização. Tanto a professora quanto os demais alunos de
sua sala foram receptivos com Gustavo. O empenho e o carinho representaram o primeiro passo para
a inclusão deste aluno diferente. O apoio e o
incentivo a sua auto-estima foram essenciais para vencer
os primeiros obstáculos que, até então,
pareciam insuperáveis.
A professora tem como característica
uma voz bastante audível e forte, além de conversar
com facilidade utilizando gestos. Avaliamos que, o
fato da professora utilizar constantemente batom vermelho que destacava seus lábios,
proporciona melhor compreensão das palavras pelo aluno.
Buscamos aprender algo sobre a língua
de sinais, uma vez que o aluno precisaria inserir-se
no todo da escola e não somente em uma sala de
aula. Começamos a gostar da situação e também a
aprender coisas novas, que até então faziam
parte apenas de discursos e estudos.
Em sala de aula, os alunos perceberam
que Gustavo apresentava limitações, mas o
trataram como uma criança normal.
Mostravam-se prestativos, companheiros e dispostos a
ajudá-lo, tanto dentro como fora da sala de aula. Ele
então, se sentiu amado e respeitado, num mundo
que poderia compartilhar aprendizagens e
descobertas. Isto só foi possível com o envolvimento da
turma sem sentimentos de pena ou de coitadinho. É
uma criança capaz e dentro de suas limitações
pode vencer.
Devido à dificuldade para escrever com
letra cursiva, todos os seus trabalhos são elaborados
em letra caixa alta (imprensa maiúscula), com
bastante atividade visual para a memorização e fixação.
A sua escrita é feita em folhas que necessitam das
linhas serem destacadas com caneta hidrocor. Isso
o auxilia a não escrever de forma tortuosa.
Durante o recreio brinca o tempo todo,
faz estripulias e testa as regras que geralmente
são impostas nas brincadeiras. Ele tem necessidade
de tocar as crianças para ser mais bem
compreendido por elas. No início, isso não era compreendido
pelas outras crianças como forma de comunicação e
sim como uma brincadeira violenta. Eles reclamavam que estavam sendo agredidos e, às vezes,
revidavam violentamente ao contato físico de Gustavo. O
aluno, por sua vez, ficava magoado com a atitude
dos colegas. Quando se sentia agredido ficava
nervoso, decepcionado, chegando em determinado
momento a chorar. Hoje já existe uma compreensão entre
os colegas durante o recreio e as brincadeiras no parque. Eles reconhecem a
necessidade apresentada pelo aluno quanto ao contato
físico. Compartilham da linguagem dele e dos gestos
para uma comunicação de melhor qualidade.
O campo semântico de Gustavo
aumentou consideravelmente. Comunica com maior facilidade.
Ainda apresenta algumas dificuldades
em matemática, como subtrair. Ainda não aprendeu
o processo de subtração, o que é
normal comparando_o com outros colegas. Sabe levar
e trazer recados. Ao ser corrigido ou repreendido, procura entender o motivo e a razão da
correção. Para melhor entender e interpretar a
comunicação é preciso que ela seja feita bem próxima ao
seu rosto, para que ele possa perceber a reação
física da pessoa com quem está se comunicando.
É bastante amigável. Relaciona-se bem com todos
os colegas e professoras e conhece a todos, nominalmente.
Atualmente podemos perceber o quanto
foi importante a inclusão de Gustavo na Escola.
A experiência com essa realidade nos mostrou que
a aprendizagem é contínua e todos podem ensinar
algo de si, mesmo que seja com um gesto ou com uma palavra proferida de forma inacabada. Aquele
que ensina deve estar sempre pronto também a aprender.
Professora: Sandra Maria Vítor dos Santos
Coordenação: Maria Rachel de
Oliveira Moreira
Direção: Andréa Conceição Hoelzle Silva
Dulcinéa Souza de Araújo
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