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5º ENCONTRO: AUTISMO
Mediadoras:
Maria Mercedes Merry Brito- Psicanalista do Centro de
Saúde Carlos Chagas
Adriana de Oliveira Rios- Fonoaudióloga/ Centro
Especializado em Voz
Dia: 03/10/2000
E. M. Nossa Senhora do Amparo
Caracterização da escola e do alunado
O relato que aqui iremos apresentar é de uma
aluna autista que chamaremos de PAULA. Porém, primeiro contextualizaremos
a escola e seu alunado.
A escola está situada na regional Noroeste de
Belo Horizonte, atendendo em sua maioria, alunos de baixo nível
sócio-econômico . Os alunos são atendidos em três
turnos (manhã, tarde e noite) e em turmas de 1º e 2º
ciclos (alunos de 6 à 11 anos) e Educação de Jovens
e Adultos, num total de aproximadamente 557 alunos. A idade dos alunos
varia de 6 à 78 anos.
A escola atualmente, está (re)elaborando seu
Projeto Político-Pedagógico, pois o anterior se apresenta
defasado em virtude da nova concepção de escola que está
sendo construída pela Rede Municipal: Escola Plural. Todas as decisões
da escola são tomadas no coletivo, respeitando a decisão
da maioria.
A proposta de inclusão levou-nos a refletir muito
sobre a importância do nosso papel na conquista de uma sociedade
justa e igualitária. No entanto, rejeitamos a inclusão que
apenas "deposita" a criança na escola, sem um apoio e
acompanhamento contínuo dos órgãos competentes.
A aluna Paula foi matriculada no dia 11 de março de 1999
e enturmada em uma sala que tinha o menor número de alunos: 23.
Procuramos ter o cuidado de não colocar mais alunos.
A aluna foi encaminhada para a escola pela Regional,
através de uma carta do Departamento de Educação.
Antes da chegada da mãe, uma integrante da equipe pedagógica
ligou explicando o encaminhamento da aluna para ser matriculada no 1º
ciclo. Paula já havia passado por outra escola municipal sem ter
se adaptado. Frequentou anteriormente escolas de Educação
Infantil, sem relato de passagem pela escola especial.
A entrada de dela "balançou" toda a
equipe do turno, que se sentiu impotente frente ao desafio que nos era
apresentado e apavorados com a falta de capacitação e de
estrutura para lidar com a aluna.
Posteriormente, baseados nas observações
foi solicitado para Prefeitura uma estagiária para esta turma,
que somente chegou no dia 14 de dezembro de 1999.
Paula na escola:
Ano de 1999
Nos primeiros dias de Paula, apresentamos a escola,
suas dependências e os funcionários. Todos dialogavam com
ela com naturalidade, mostrando a ela que queríamos estabelecer
contato. Porém, sempre era a mesma coisa: sua mãe tinha
que segurar firme sua mão, caso contrário, saia correndo.
Já em outros momentos, chegava a gritar e morder sua mão.
No início do ano, Paula apresentou as seguintes
características com relação ao espaço, tempo
e relações no contexto escolar:
· Não se dirigia para a sala, ficando mais
tempo na sala da coordenação e direção, onde
lhe era oferecido revistas, lápis, jogos, etc;
· Cuspia em tudo que lhe era oferecido e comia os lápis;
· Parecia gostar de tinta;
· Sempre fugia do olhar de qualquer pessoa;
· Em sala de aula, às vezes só queria
ficar no colo das pessoas; já em outros momentos agarrava as pessoas
como se estivesse "escalando o corpo das mesmas";
· Em muitos momentos ficava nervosa, chorava e se
mordia. Diante da intervenção da professora, tentava mordê-la
também;
· Era ajudada pelos colegas a realizar ações
rotineiras: abrir a pasta, pegar o estojo, etc;
· A partir do 2º semestre, começou a
apresentar maior espaçamento entre as crises de choro;
· Na segunda-feira, a aluna sempre se mostrava mais
agitada;
· Trazia o lanche de casa, mas gostava de comer
o dos colegas.
Após um tempo, a aluna começou a acompanhar
a fila, mesmo que à força, porém continuava se negando
a entrar na sala, saindo correndo e fugindo até mesmo da mãe.
Com o passar do tempo, Paula foi aceitando entrar na
sala, porém neste espaço, se limitava a ficar embaixo de
uma prateleira, desde que a porta estivesse fechada. Uma vez que não
se conseguia fazer com que a aluna ocupasse seu lugar na carteira, a professora
optou em tentar intervir com a mesma naquele espaço. Neste momento,
a alternativa utilizada foi oferecer-lhe os giz de cera e lápis
para poder realizar alguma atividade. Como a aluna se limitava a comer
os materiais, a professora avaliou que seria melhor utilizar revistas.
Porém, com todas estas tentativas, observou-se que era necessário
a aluna ocupar outro espaço que facilitasse mais sua interação.
Neste sentido, a opção foi colocar uma caixa cheia de livros
no espaço em que Paula ficava embaixo da prateleira.
Sem a alternativa da aluna ficar embaixo da prateleira, a professora
começou a trabalhar com ela o sentar-se na cadeira: num primeiro momento,
toda vez que ela saía da cadeira, a princípio rodava em pé e depois sentava
no chão ao lado da mesma. A professora a reconduzia para a mesma, num
momento posterior, este retorno ocorria mediante a fala da professora
que a chamava pelo nome.
Apesar de ter sido um processo demorado, quando a aluna
começou a ficar mais tempo sentada, geralmente tirava os sapatos
e as meias. No momento em que um colega ia ajudá-la a colocar novamente,
endurecia o pé dificultando esta tarefa. Sua postura na sala era
de ficar com os pés em cima da carteira.
No ano de 1999, somente se direcionou para o banheiro
por uma vez, sendo que não conseguiu utilizá-lo, molhando
e retirando suas roupas.
A aluna já iniciou o ano, com atendimento psicanalítico.
Na escola, aconteceram dois encontros da equipe do CAPE e Regional para
se discutir sobre a temática da Inclusão, não ocorrendo
um acompanhamento de maneira sistematizada.
Ano 2000
No princípio, Paula permanecia quieta na carteira,
aparentemente indiferente às situações. No dia-a-dia,
percebemos algumas alterações, parecendo participar e interagir
das atividades propostas. Às vezes vira de costas ou de lado completamente,
alheia à situação de sala de aula.
A aluna pegava, e ainda pega, alimentos com muita agilidade,
deixando as pessoas sem ação. Da própria carteira,
ela "filma" o objeto e vai até ele para pegá-lo,
mesmo que este esteja misturado a outros objetos, especialmente se for
algo de comer.
A aluna atende parcialmente ao chamado
das professoras, principalmente quanto
à participação na rotina da sala de aula.
Quando convocada a ir à mesa da professora, ela o
faz, levando o que lhe foi pedido, precisando da orientação da estagiária. Porém, no percurso até
a mesa, desvia-se do caminho, muitas vezes sendo (re)conduzida pelos colegas.
Neste ano, a aluna ainda não se utilizou
do banheiro, não tendo demonstrado necessidade
de utilizá-lo.
A aluna já acompanha a fila em todos
os momentos em que a turma se desloca de um ambiente para outro.
A aluna ainda tira os sapatos com
freqüência, independente do ambiente que a turma está.
Hábito que ainda não se modificou desde a sua entrada
na escola. No entanto, atualmente, ela mesma é
quem os calça.
Os materiais que lhe são
oferecidos, continuam sendo imediatamente colocados na
boca, mastigando-os e engolindo-os regularmente.
Sempre a aluna é advertida pelos profissionais que
a acompanham.
Atualmente, a aluna está direcionando
o olhar.
Neste semestre, após reunião no início
do ano entre escola, CAPE e Regional para
avaliação do ano anterior, construiu-se uma proposta
de acompanhamento do processo de Inclusão de
Paula. Este acompanhamento apresenta a seguintes abordagens:
· Contato com a família e orientação à mesma;
· Encontros periódicos com as
professoras diretamente envolvidas com a turma;
· Orientação para a estagiária;
· Observação da sala de aula;
· Discussão e orientação ao coletivo
de professoras do turno, coordenação e direção;
· Trabalho com o coletivo de alunos do
turno, através de um conto;
· Trabalho com os alunos da turma, a
partir do conto e da produção de atividades em
grupo com o objetivo de discutir com os mesmos as diferenças entre eles, incluindo as de Paula;
Com as discussões ocorridas durante
o acompanhamento do CAPE, foram
sendo construídas outras alternativas:
· Trabalhos diversos em sala de
aula, organizando os alunos em trios, quartetos e outros;
· Apresentações de poemas e projeto
de turma no coletivo da classe para o coletivo da escola (Brasil 500 anos, Ecologia, Folclore);
· Educação Física orientada e/ou
recreação coletiva;
· Participação de Paula na Festa
Junina, vestida à rigor;
A partir de meados de março, a aluna
passou a ter atendimento do serviço de fonoaudiologia.
Avaliando e entendendo o
processo ensino-aprendizagem na
interação entre família e profissionais
Durante o primeiro semestre de
2000, ocorreram alguns momentos pontuais em que a
aluna demonstrou estar começando a compreender
e utilizar a fala como mediação, que serão
relatadas abaixo:
"Em viagem de férias, os pais e
Paula, quando acabaram de chegar no quarto do
hotel, conversavam sobre o calor que estava
fazendo. Neste momento, Paula rapidamente, ligou o ventilador de teto que nem mesmo os pais
tinham percebido."
(mãe)
"Para realizar a atividade em grupo,
os alunos deveriam escolher a cor do grupo que queriam participar. Paula parecia estar alheia,
quando de repente disse: VERDE e foi para o
grupo verde."
(professora)
"Ao ir para o recreio, Paula pegou a
minha mão e levou até a vasilha de biscoito para eu
abrir. Como disse para esperar até chegarmos na
cantina e após insistir várias vezes, disse: ABRE!."
(estagiária)
"Certo dia, um colega fez um desenho
para Paula e entregou para ela. Ela rabiscou, como
se estivesse também desenhando e devolveu."
(professora)
"Em alguns momentos, quando Paula
é chamada, já está atendendo."
(professora)
"Outro dia, eu me aproximei de Paula
e mostrei como era para ela fazer a atividade
pegando em sua mão. Quando parei, ela pegou minha mão
e a levou até o caderno, como se quisesse que
eu continuasse."
(professora)
"Acho que Paula está me rejeitando,
pois no começo eu chegava perto dela e ela
ficava balbuciando, produzindo sons. Agora ela fica
quieta. No entano, outro dia, a estagiária disse que
depois que eu passei pela carteira de Paula ela me
chamou: PROFESSORA. Porém, eu não ouvi."
(professora)
Após atividade realizada com a turma
de Paula sobre as diferenças, perguntamos no que
eles eram diferentes uns dos outros. Com relação a
Paula, falaram que ela só não falava. Neste momento,
um dos colegas virou-se para professora e a questionou:
- A Paula não fala?
(professora)
"No dia em que foi realizada a atividade
pelo CAPE com a turma de Paula, na hora de ir
embora, ela se virou para trás e fez TCHAU com a mão."
(CAPE)
"Nas férias a Paula pediu papel para ela
desenhar sobre sua solidão."
(mãe)
"Quando vi que as unhas de Paula
estavam pintadas, perguntei sobre quem tinha pintado e
ela respondeu: MAMÃE."
(coordenadora)
"Nos primeiros dias do 2º semestre, no
final da aula, Paula estava indo embora com a
mãe quando eu perguntei se ela não ia me dar um
beijo. Imediatamente ela veio e me beijou."
(professora)
Durante o acompanhamento feito
pelo CAPE, foram sendo construídas com todos
os profissionais da escola algumas orientações,
para se referenciarem no trabalho com a aluna:
· Frente a momentos agitados, evitar
ter atitudes imediatas que possam reforçar a
idéia de que se conquista algo somente pela
expressão corporal (birra) e não pela linguagem.
Nestes momentos, também evitar distanciar a aluna
do seu grupo. Ele deve ser a sua referência;
· A necessidade de trabalhar com
materiais concretos;
· A fala precisa ser clara e mais
concreta possível;
· Toda iniciativa de uso da fala pela aluna
deve ser incentivada, sempre que possível, através
da ação correspondente.
· É preciso ter cuidado para não
antecipar os sentimentos da aluna a partir das
referências que temos das nossas relações;
· É fundamental que as atividades na
escola tenham uma certa rotina, para que ela possa
se sentir segura e construir as ações;
· É importante que fala e ação estejam
sendo utilizadas a todo momento para orientar as atividades, lembrando que a aluna não é surda;
· Para ajudar a aluna , serão
requisitados inicialmente os colegas, desde que ambos
concordem. Somente ao contrário, é que
a estagiária lhe ajudará;
· A estagiária deve auxiliar, orientando a
aluna e, em alguns momentos, fazendo a mesma atividade ao lado dela como se fosse
um modelo.
· Em alguns momentos a estagiária
poderá acompanhar a sala para que as
professoras possam ter oportunidade de dar
orientação específica para a aluna.
Estas discussões possibilitaram
aprofundar a investigação a respeito das características de
uma criança autista, mas principalmente as especificidades de Paula, entendendo que
cada sujeito é único. Foi neste movimento de
observação, análise e discussão que foi possível perceber
os avanços que a aluna apresentou, bem como
construir algumas possibilidades e alternativas de
trabalho com a mesma.
Desafios do trabalho pedagógico
Até o momento, o desafio primeiro
foi entender e construir possibilidades de
socialização entre Paula e a escola e vice-versa, com o
objetivo de estabelecer um canal de comunicação
que propicie condições de sistematização do
trabalho pedagógico.
Já foi possível perceber algumas pistas
que estão ajudando a construir possibilidades
de intervenção pedagógica, tais como:
· Estabelecimento de rotinas para o trabalho
em sala de aula;
· Trabalho em pequenos grupos;
· Atividades que propiciem maior interação
entre os alunos (hora do lanche, educação física);
· Utilização do alfabeto móvel, apesar da
aluna morder as letras quando toca com as mãos;
· Músicas cantadas e ouvidas;
· Jogos pedagógicos, apesar da aluna gostar
mais de atividades físicas, dentre outras possibilidades.
A partir do registro e da reflexão
das atividades realizadas em sala, observou-se que
a aluna já apresenta avanços significativos e
notórios. Porém, é difícil afirmar com certeza quais
os conhecimentos que ela já tem ou não
construídos. Portanto, o acesso ao conhecimento constitui
um grande desafio na continuidade desse trabalho
na escola.
Professoras: Arilza Almeida Souza Marques
Valdete Souza Lino da Costa
Tereza Maria de Oliveira
Coordenação: Ana Isabel Pereira da Costa
Direção: Maria Elisa de Araújo Grossi
Angela Guimarães de Assis Ribeiro
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