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UMA DISCUSSÃO SOBRE OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO NA PROPOSTA ESCOLA PLURAL
Sara Mourão Monteiro

Resumo:

     A Proposta Escola Plural está situada num contexto histórico de movimentos pedagógicos que procuram refletir sobre os princípios e a função da educação escolar. Por isso ela nos possibilita uma redefinição de valores pedagógicos e conceitos sobre a própria escola enquanto instituição de direito da comunidade à educação. Para isso, a Proposta dá ênfase aos aspectos da formação do aluno enquanto sujeito de cultura. Em primeiro lugar, porque reconhece o aluno no status de sujeito que opera e pensa. Em segundo lugar, porque vincula a sua ação à representação de mundo que constitui sua cultura. Ou seja, nossos alunos, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos, estão em processo de compreensão do mundo em que vivemos, construindo dessa maneira seus valores e conhecimentos. Nesse processo de construção, a escola representa para eles o espaço e o tempo em que se vivencia um, entre muitos, dos processos de ensino-aprendizagem, que exercem influência nessa construção da representação de mundo. Assim sendo, a escola plural propõe uma estrutura escolar que respeita alguns princípios da formação humana: a idade de formação do aluno, o tempo necessário para a construção de conceitos e para a manifestação dos diferentes ritmos de aprendizagens, a ação coletiva do trabalho pedagógico e, ainda, o aspecto social da aprendizagem de saberes científicos, cotidianos e estéticos que constituem as informações necessárias à construção da representação de mundo pelos sujeitos que estão em constante formação. Cada um desses princípios se materializa na estrutura de ciclo de formação que determina um tipo de organização do trabalho pedagógico dos professores e alunos e traz como conseqüência a necessidade de se refletir mais cuidadosamente velhos problemas da educação. Por exemplo, a velha questão conhecida do fracasso escolar: a reprovação nos primeiros anos de escolarização no processo de alfabetização. Essa questão tem sido abordada de diferentes maneiras dependendo do enfoque que se quer dar à analise do problema. O certo é que problemas como esse resumem de fato boa parte da problemática que nós, educadores, enfrentamos em toda nossa prática por uma escola mais democrática: as dimensões do ensinar e do aprender.

     A Proposta Escola Plural analisa o processo de ensino-aprendizagem sob quatro aspectos que o constituem: a interação entre os alunos, entre alunos e professores, entre alunos e conhecimento; a organização do trabalho pedagógico; as atividades que levam à construção de conhecimento e, por fim, os conhecimentos a serem construídos no processo escolar. Trata-se de compreender o currículo da escola de forma mais ampla, onde conteúdo está associado à metodologia da ação de aprender.

     Sobre o primeiro aspecto, considera-se a interação com um fator que propicia a aprendizagem porque é através dela que temos condição de confrontar e ampliar nossas hipóteses sobre o conhecimento que estamos construindo. É também através da interação que o outro (o professor e o colega) se torna um mediador do processo de aprendizagem. Ou seja, contar com a colaboração do colega ou do professor na realização de tarefas pedagógicas significa o verdadeiro exercício do aprender. Perguntas do tipo: Que significado tem a palavra interação para nós professores? Como os alunos se interagem? São as novas indagações surgidas a partir dos esforços dos professores para implementar essas idéias na prática docente. Estamos construindo assim, como postulamos para o processo do aluno, o conceito de interação na educação.

     Passando a observar e refletir a maneira de trabalhar em grupo dos alunos, descobrimos que toda tarefa quando proposta para a realização coletiva, exige um compartilhar de idéias e valores que na maioria das vezes se materializa numa negociação de regras de funcionamento do trabalho, numa elaboração participativa do trabalho e no confronto direto de opiniões e saberes que os alunos trazem de suas experiências cotidianas. Por tudo isso é que queremos formar sujeitos que saibam ouvir, expor suas idéias e sabiamente conviver com diversidade de idéias em situações cada vez mais coletivas. Pois bem, para que a interação aconteça na sala de aula de fato, é necessário que se tenha uma organização também pedagógica. Organizar o trabalho pedagógico é uma tarefa do professor e uma habilidade a ser adquirida pelo aluno. Como levar o(a) aluno(a) perceber as diferentes formas de organizar materialmente e operacionalmente o trabalho pedagógico? Compreender, analisar e discutir com os alunos as diferentes organizações de trabalho é uma forma de tomar consciência do próprio processo de ensino-aprendizagem vivenciado pelos professores e pelos alunos. Mas, interagir e organizar que tipo de atividade? Que atividades favorecem a construção de conceitos pelo aluno?

     Que definições metodológicas de ensino-aprendizagem devem ser implementadas em sala de aula? Essas perguntas se justificam porque não há metodologia de ensino que possa estar desvinculada de uma concepção de aprendizagem. Não podemos nos esquecer que o processo ensino-aprendizagem é como uma moeda de dois lados.Como pensar o ato de ensinar desvinculado do ato de aprender? Como desvincular o professor do aluno ou o aluno do professor?

     Voltemos às atividades que podem favorecer a construção de conhecimentos. Ter acesso aos conhecimentos culturalmente produzidos é uma questão política que a escola tem assumido por muitas décadas de existência. Sabemos que as informações existentes nos conhecimentos já acumulados acerca do que estamos aprendendo são fundamentais para que possamos confrontar nossas hipóteses, porque, incorporando novas informações, podemos modificar nossas hipóteses e formular novas a partir da compreensão cada vez mais complexa do objeto de conhecimento. No entanto, é preciso ampliar nossa representação do próprio conteúdo que é veiculado na escola e da forma como o conhecimento é socialmente produzido. Quando compreendemos esses aspectos do conteúdo escolar, passamos a reconhecer e a utilizar outras fontes de informação. Dessa forma, identificar e consultar as diversas fontes de informação se configuram como atividades que o aluno precisa desenvolver em sua escolarização. O meio em que é veiculada uma certa informação determina a relação que o sujeito estabelece com o conhecimento em construção. Para exemplificar uma das possíveis variantes desse meio, podemos citar o tipo de linguagem utilizada por diferentes fontes de informação. O aluno opera, em sua relação com o mundo com todas as formas de linguagem. Há uma articulação de várias linguagens que constituem o universo simbólico desse aluno: a música, as imagens, os gestos e expressões corporais. No entanto, a escola privilegia apenas a linguagem verbal em sua forma de abordar os conhecimentos.

     Há ainda os procedimentos de observação e registro que o aprendiz deve incorporar na experiência escolar. Esses procedimentos devem ser incorporados com a função de subsidiar a análise e a reflexão do aprendiz sobre o objeto de conhecimento e sobre seu processo de aprendizagem. Quanto à observação, devemos estar atentos às variáveis desse procedimento para podermos planejá-la junto aos alunos. O que vamos observar determina o como vamos observar e com que instrumentos. Por exemplo, observar um fenômeno da natureza é diferente de observarmos um fato histórico ou mesmo um sistema de escrita. Além disso, numa observação, o que é percebido por uns pode não ser para outros. Por isso são importantes as trocas e as discussões coletivas a partir do registro das observações. Os registros devem variar de acordo com a intenção e as condições de produção da atividade. Cada tipo de registro (o vídeo, a gravação, a fotografia, o relatório) possibilita captar diferentes ângulos do objeto ou da situação observada. Vinculado a outras intenções, os registros também permitem uma reconstrução de processos vivenciados na escola.

     Esses procedimentos terão algum sentido para o aluno quando ele estiver motivado para isso. Ou seja, o aluno terá que ter algum motivo para realizar tais procedimentos. Ter motivo, ter a intenção, ter objetivo claro para tal. Muitos professores relacionam a questão da motivação ao interesse do aluno e identificam a dificuldade de terem clareza de qual é o interesse do aluno. Por outro lado, o entendimento do que seja o interesse da criança, para nós professores, passa muitas vezes pelo o que ele quer aprender, pelo que ele quer discutir. Nos esquecemos, dessa forma, que a questão do interesse é ao mesmo tempo uma questão subjetiva e uma questão social. Deixar que a criança fale de suas experiências coditianas nos permite descobrir, no âmbito da representação subjetiva da criança, o seu mundo real com os conflitos que enfrentam diariamente e as estratégias de enfrentamentos utilizadas por eles na resolução desses conflitos.

     Nesse momento a criança tem oportunidade de tomar um distanciamento da sua realidade e por isso mesmo tratá-la no campo da representação, problematizando-a. A problematização é uma estratégia natural do processo de compreensão do mundo pelas crianças. É muito comum encontrarmos crianças menores formulando perguntas de todo tipo sobre vários assuntos. A capacidade de problematizar precisa ser aprimorada no processo de escolarização. Essa intenção pode ser identificada na postura pedagógica, pretendida pela Escola Plural, que possibilita ao aluno um reconhecimento e uma definição das finalidades das aprendizagens que vai realizar na escola. Essa postura está baseada no desenvolvimento da capacidade do aluno para formular questões sobre o objeto de conhecimento. Quais são as questões dos alunos e como elas são formuladas contribuem para o estabelecimento dos motivos e conseqüentemente para a ativação da motivação dos alunos.

     Enfim, construir conhecimentos não é um processo espontâneo nem linear. São muitos os aspectos que poderíamos abordar ao nos propor discutir o processo de construção do conhecimento. Gostaria de abordar apenas mais um. Aquele que Paulo Freire perseguiu em todos os seus discursos elaborados a partir de sua prática na educação: a identidade do sujeito. Paulo Freire estabeleceu, com muita propriedade, o princípio de que há um vínculo muito grande entre o conhecimento que o professor se propõe a ensinar e a identidade do aprendiz. Esse é um princípio que também caracteriza, como falei anteriormente, a Proposta Escola Plural. O aluno é um sujeito de cultura inserido num contexto social assim como o professor também o é. O encontro desses dois sujeitos no espaço físico e temporal da escola faz do processo ensino-aprendizagem um processo formador e transformador do ser humano.

Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e CAPE.