Titulo:

Autor:
Cargo:

SIGNIFICADO E SENTIDO NA APRENDIZAGEM ESCOLAR. REFLEXÕES EM TORNO DO CONCEITO DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
César Coll Salvador

Resumo:

     Existe atualmente uma coincidência em sublinhar, a partir de concepções e enfoques psicopedagógicos relativamente dispares, a importância da aprendizagem significativa como elemento-chave da educação escolar ????? em que apenas a aprendizagem significativas conseguem promover o desenvolvimento pessoal dos alunos valorizam-se as propostas didáticas e as atividades de aprendizagem em função de sua maior ou menor potencialidade para promover aprendizagens significativas propõe-se procedimentos e técnicas de avaliação suscetíveis de detectar o grau de significância das aprendizagens realizadas, etc. Esta coincidência é, sem dúvida, surpreendente na medida em que as práticas educacionais, tanto as escolares como as não escolares , constituem um âmbito de conhecimento e de atividade profissional melhor propenso a polêmicas e a pontos de vista desencontrados.

     Na realidade, a idéia ou, melhor dito, algumas idéias que subjazem ao uso atual do conceito de aprendizagem significativa contam com inúmeros antecedentes na história do pensamento educacional. Podemos nos remeter em primeiro lugar, à tradição centrada na criança dos movimentos pedagógicos renovadores do séculos, que funda suas raízes no pensamento de Rousseau e à qual pertencem autores tão destacados como Claparède, Dewey, Ferrière, Montessori, Decroly, Cousinet, Freinet e muitos outros que, além das diferenças entre suas respectivas colocações compartilham o princípio de auto-estruturação do conhecimento, isto é, vêem o aluno como o responsável último do seu próprio processo de aprendizagem, como o "artesão da sua própria construção" (Not, 1979). Em segundo lugar, cabe mencionar a tradição, mais recente, da hipótese da aprendizagem por descobrimento, desenvolvida nos anos sessenta, e das propostas pedagógicas que defendem o princípio de que o aluno adquira o conhecimento com seus próprios meios ou, como afirma Bruner em seu conhecido trabalho sobre o ato do descobrimento, "mediante o uso de sua própria mente" (Bruner, 1961).Em terceiro lugar, podemos citar as propostas pedagógicas inspiradas nas teses que podem ser sintetizadas na seguinte afirmação: o "princípio fundamental dos métodos ativos: compreender é inventar ou reconstruir por reinvenção" (Piaget, 1974).

     Não se esgotam, no entanto, com estas referências, certamente ricas e variadas, os antecedentes do conceito de aprendizagem significativa, tal como é utilizada atualmente no discurso e na prática pedagógica. Numa tradição de pensamento distinta das anteriores, encontramos, por exemplo, os estudos e investigações sobre a curiosidade epistêmica e a atividade explorativa no domínio das teorias da motivação. Dado que, segundo os postulados da teoria da atividade (arousal), formulada por Hebb e Berlyne nos anos sessenta, a motivação para explorar, descobrir, aprender e compreender está presente em maior ou menor grau em todas as pessoas, a atividade exploratória converte-se num poderoso instrumento para a aquisição de novos conhecimentos. De um ponto de vista pedagógico, isto conduz à proposta de confrontar o aluno com situações que possuem uma série de características (novidade, complexidade, ambigüidade, incongruência, etc.) suscetíveis de ativar a motivação intrínseca e, deste modo, provocar uma curiosidade epistêmica e uma atividade exploratória dirigida a reduzir o conflito conceitual, a incerteza e a tensão gerada pelas características da situação (Farnham-Diggory, 1972).

     Permita-nos citar ainda outro antecedente que mostra até que ponto o conceito de aprendizagem significativa é depositário de idéias e conotações que têm a sua origem em enfoques distintos, nem sempre totalmente compatíveis, do psiquismo humano. Refirimo-nos à concepção humanística da aprendizagem que está na base da proposta formulada por Rogers (1969), de ensino não-diretivo ou de ensino centrado no aluno. Esta proposta , que se caracteriza, entre outras coisas, por acolher a aspiração ancestral de uma educação adaptada às necessidades de cada indivíduo, situa o desenvolvimento pessoal do aluno no centro do processo educacional e aponta como fim prioritário da educação que a pessoa funcione de maneira integrada e efetiva, que construa a sua própria realidade, que encontre a sua identidade particular. Lembre-se, por exemplo, a insistência dos autores humanistas em aprender a perceber, a conhecer, a sentir a vida (feeling life) e a própria identidade como objetivos fundamentais da educação.

     Mas é, talvez, na crítica que os autores humanistas dirigem à "aprendizagem extrínseca" e nas alternativas que propõem à mesma onde encontra-se um maior paralelismo com o conceito de aprendizagem significativa. Maslow (1968) denomina de aprendizagem extrínseca à aquisição de conteúdos externos à pessoa, impostos culturalmente, alheios à sua identidade e que pouco ou nada têm a ver com o que há de peculiar, idiossincrático, de definitório, em cada ser humano. A maior parte das teorias da aprendizagem e dos modelos educacionais repousam, segundo este autor, sobre uma concepção extrínseca da aprendizagem, ignorando sistematicamente os valores, fins, sentimentos e atitudes do aluno. Daí que a educação que se transmite habitualmente nos centros escolares seja impessoal, concentrada no professor, extrínseca, utilitária, diretiva e, em última instância, irrelevante para as necessidades individuais do aluno.

     Antes da aprendizagem extrínseca, há outra que ocorre à margem do sistema escolar e que surge diretamente das experiências pessoais. É através destas experiências pessoais, de uma série de aprendizagens fundamentais intrínsecas que aprendemos mais sobre nós mesmos e chegamos a descobrir e reconstruir a nossa própria identidade. A partir disso, as orientações para erradicar a aprendizagem extrínseca da educação formal são bem conhecidas: que os alunos decidam por si mesmos o que querem aprender, pois só eles podem saber o que se adapta melhor à sua individualidade, às suas necessidades básicas, dar prioridade ao objetivo de aprender a aprender antes do objetivo de habilidades ou conteúdos, praticar a auto-avaliação como a única forma de avaliação relevante, prestar uma atenção especial à educação da sensibilidade e dos sentimentos, eliminar qualquer componente ameaçador das situações de aprendizagem, etc.

     Esta breve orientação de antecedentes, que de modo algum pode ser considerada exaustiva, mostra com clareza que a coincidência em sublinhar a importância da aprendizagem significativa como elemento-chave da educação escolar pode ser tanto enganosa. Com efeito, a sua utilização a partir de enfoques e colocações psicopedagógicas relativamente díspares, longe de representar uma unanimidade conceitual , cobre, isto sim, concepções distintas nem sempre compatíveis sobre a aprendizagem escolar e a maneira de exercer a influência educacional. A polissemia do conceito , a diversidade de significações que tem ido se acumulando, explica, em grande parte, o seu atrativo e a sua utilização generalizada e obriga, ao mesmo tempo, a se manter uma prudente reserva.

     Convém sublinhar que, hoje em dia, é um conceito que não possui uma significação unívoca, como pode-se comprovar no uso indiscriminado e acrítico do mesmo no que caminha para se converter numa moda a mais das que periodicamente e de forma recorrente invadem o campo da educação. Perante a sua utilização ,de qualquer modo incorreta, como fórmula mágica suscetível de mediar na resolução dos problemas educacionais de natureza a mais variada - a elaboração de materiais didáticos, o plano de atividades de aprendizagem e a avaliação de resultados, a transferência das aprendizagens escolares, etc. - , o conceito de aprendizagem significativa possui, a nosso ver, um grande valor heurístico e encerra uma enorme potencialidade como instrumento de análise, de reflexão e de intervenção psicopedagógica. O seu interesse não reside, pois, tanto nas soluções que contribui como na nova perspectiva que conduz a adotar no estudo dos processos de ensino/aprendizagem. É precisamente este valor heurístico, esta potencialidade como instrumento de análise e de reflexões, o que tentaremos ilustrar, seguidamente indagando três aspectos ou componentes do conceito de aprendizagem significativa a que podem nos permitir avançar até uma delimitação mais precisa do mesmo.

 

1 - APRENDIZAGEM ESCOLAR E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS

     Falar de aprendizagem significativa equivale, antes de tudo, a pôr em relevo o processo de construção de significados como elemento central do processo de ensino/aprendizagem. O aluno aprende um conteúdo qualquer - um conceito, uma explicação de um fenômeno físico ou social, um procedimento para resolver determinado tipo de problemas, uma norma de comportamento, um valor a respeitar, etc. - quando é capaz de atribuir-lhe um significado. De fato, no sentido estrito, o aluno pode também aprender estes conteúdos sem lhes atribuir qualquer significado; é o que acontece quando aprende de uma forma puramente memorística e é capaz de repeti-los ou de utilizá-los mecanicamente sem entender em absoluto o que está dizendo ou o que está fazendo.

     A maioria das vezes, no entanto, o que acontece é que o aluno é capaz de atribuir unicamente significados parciais ao que aprende: o conceito aprendido - ou a explicação , ou o valor, ou a norma de conduta, ou o procedimento de resolução de problemas - não significa exatamente o mesmo para o professor que o ensinou que para o aluno que o aprendeu, não tem as mesmas implicações , nem o mesmo poder explicativo para ambos, que não podem utilizá-los ou aplicá-lo em igual extensão e profundidade ??? não possui para eles a mesma força como instrumento de compreensão de ação sobre a parcela da realidade a que se refere. Isto quer dizer que a significância da aprendizagem não é uma questão de tudo ou nada de grau; em conseqüência, em vez de propormo-nos que os alunos ???? aprendizagem significativas, talvez fosse mais adequado tentar que as aprendizagens que executam sejam a cada momento da escolaridade a mais significativas possível. Longe de ser um jogo de palavras, esta mudança de perspectiva é importante porque sublinha o caráter aberto e dinâmico da aprendizagem escolar e coloca o problema na direção ou direções ??? o ensino deve agir para que os alunos aprofundem e ampliem os significados que constróem mediante a sua participação nas atividades de aprendizagem.

     Mas o que exatamente quer dizer que os alunos constróem significados? Uma primeira aproximação , sem lugar à dúvida mais conhecida é a que proporcionam Ausubel e seus colaboradores (veja, por exemplo, Ausubel, Novak e Hanesian, 1983, Novak, 1982). Segundo estes autores, construímos significados cada vez que somos capazes de estabelecer relações " ??? e não arbitrárias" entre o que aprendemos e o que já conhecemos, ??? a maior ou menor riqueza de significados que atribuiremos ao ??? aprendizagem dependerá da maior ou menor riqueza e complexidade das relações que formos capazes de estabelecer. Por exemplo, a observação da fauna e da flora de uma região qualquer dará lugar à construção de ??? dos distintos no caso de um aluno que não possui conhecimentos BBBBB da biologia, no caso de um aluno que não possui algum tipo de conhecimento deste tipo e que, portanto, pode estabelecer múltiplas relações de ???? e de contraste, ou no caso de um aluno que, além disso, pode relacionar o observado às relações econômicas, às formas de habitat e aos costumes dos habitantes da região. Nos três casos, o aluno em questão atribui significados ao que observa, mas estes significados têm uma amplitude e uma natureza nitidamente distinta.

     Em termos piagetianos, poderíamos dizer que construímos significados integrando ou assimilando o novo material de aprendizagem aos ???? que já possuímos de compreensão da realidade. O que empresta ????? ao material de aprendizagem é precisamente a sua assimilação e a sua inserção nestes esquemas prévios. Num caso extremo, o que não podemos assimilar a qualquer esquema prévio carece totalmente de significado para nós. A experiência cotidiana informa-nos que podemos estar em contato com uma variedade de fatos, de fenômenos e de situações que praticipam e não existem para nós, que não significam nada até que seja por que ???? inserem-se em nossos esquemas de atuação ou de conhecimento, ???? de chofre um significado até este momento desconhecido. Mas seguindo com a terminologia piagetiana, a construção de significados implica igualmente numa acomodação, numa diversificação, num enriquecimento, numa maior interconexão dos esquemas prévios. Ao relacionar o que já sabemos com o que estamos aprendendo, os esquemas de ação e de conhecimento - o que já sabemos - modificam-se e, ao modificarem-se, adquirem novas potencialidades como fonte futura de atribuição de significados.

     Já mencionamos que nem sempre a aprendizagem significativa, isto é, que nem sempre dá lugar à construção de significados. Em muitas ocasiões, a aprendizagem limita-se à mera repetição memorística. De fato, é bem mais difícil alcançar um nível elevado de significância na aprendizagem escolar. As condições que a sua realização exige nem sempre são fáceis de cumprir. Ausubel e seus colaboradores insistiram em inúmeras ocasiões sobre as exigências que a aprendizagem significativa coloca. Antes de tudo, é necessário que o novo material de aprendizagem, o conteúdo que o aluno vai aprender, seja potencialmente significativo, isto é, seja suscetível de dar lugar à construção de significados. Para isto, deve cumprir duas condições, uma intrínseca ao próprio conteúdo de aprendizagem e a outra relativa ao aluno particular que vai aprendê-lo.

     A primeira condição é que o conteúdo possua uma certa estrutura interna, uma certa, lógica intrínseca, um significado em si mesmo. Dificilmente o aluno poderá construir significados se o conteúdo de aprendizagem é vago, está pouco estruturado ou é arbitrário; isto é, se não é potencialmente significativo do ponto de vista lógico. É certo , esta significância lógica em potencial, como a denomina Ausubel, não depende só da estrutura interna do conteúdo como também da maneira como este é apresentado ao aluno. Assim, por exemplo, um conteúdo como o usa das preposições em inglês apresenta, em princípio, uma escassa significância lógica, ao menos para um falante latino; no entanto, pode ser apresentado aos alunos de tal maneira que a sua significância lógica fique amplamente realçada (Pla, 1987). Mas não é suficiente que o conteúdo possua significância lógica. Requer-se ainda uma segunda condição para que um aluno determinado construa significados a propósito deste conteúdo é necessário, além disso, que possa relacioná-lo de forma não arbitrária com o que já conhece, que possa assimilá-lo, que possa inseri-lo nas redes de dignificados já construídas no decurso de suas experiências prévias de aprendizagem; em outros termos, é necessário que o conteúdo seja potencialmente significativo do ponto de vista psicológico. Esta significância psicológica do material de aprendizagem explica, por outro lado , a importância concedida por Ausubel e seus colaboradores ao conhecimento prévio do aluno como o fator decisivo no momento de defrontar-se com a aquisição de novos conhecimentos.

     A significância lógica e psicológica em potencial do conteúdo de aprendizagem, apesar de serem duas condições necessárias, não são, no entanto, ainda suficientes para que o aluno construa significados. É necessário, além disso, que este, o aluno, tenha uma atitude favorável para aprender significativamente. Este requisito, em geral esquecido nas discussões sobre o tema que nos ocupa, é uma conseqüência lógica do protagonismo do aluno e da sua responsabilidade na aprendizagem. A atitude favorável para a aprendizagem significativa faz referência a uma intencionalidade do aluno para relacionar o novo material de aprendizagem com o que já conhece, com os conhecimentos adquiridos previamente, com os significados já construídos. Quando a intencionalidade é escassa, o aluno limitar-se-á, provavelmente, a memorizar o aprendido de uma forma um tanto mecânica e repetitiva: ao contrário, quando a intencionalidade é elevada, o aluno estabelecerá múltiplas e variadas relações entre o novo e o que já conhece. Que um aluno situe-se em um ou outro lugar do contínuo que estes dois extremos delimitam vai depender, sem dúvida, da sua motivação para aprender significativamente e da habilidade do professor neste sentido é um fator determinante, pois a memorização mecânica e repetitiva do aprendido costuma aparecer, em princípio, como um procedimento muito mais cômodo e econômico em tempo e energia para o aluno do que a construção de significados mediante a busca e o estabelecimento de relações substantivas entre o novo e o que já conhece.

     O que já foi dito até aqui é suficiente para se dar conta de que a aprendizagem significativa de um conteúdo qualquer implica inevitavelmente em sua memorização compreensiva, a sua situação ou armazenamento numa rede mais ou menos ampla de significados. Assim mesmo, na medida em que contribui para ampliar e estender tal rede de significados, incrementa-se a capacidade do aluno para estabelecer novas relações quando enfrentar-se com tarefas ou situações posteriores, pelo que uma aprendizagem realizada de forma significativa é, ao mesmo tempo, uma aprendizagem que tem um elevado valor funcional, isto é, uma aprendizagem útil, uma aprendizagem que pode ser utilizada com relativa facilidade para gerar novos significados.

     Dois últimos comentários para terminar com esta seção. Em primeiro lugar, o conceito de aprendizagem significativa, tal como aparece nas formulações de Ausubel e de seus colaboradores, implica numa mudança de perspectiva na solução dada ao clássico problema pedagógico da preparação ou disponibilidade (readiness) para a aprendizagem escolar. A ênfase já não reside na aptidão intelectual do aluno, direta ou indiretamente relacionada com seu nível de desenvolvimento evolutivo, e sim bem mais na existência de conhecimentos prévios pertinentes para o conteúdo a aprender, que dependem, naturalmente, em parte, de tal aptidão intelectual, mas também , e sobretudo, das experiências prévias de aprendizagem, tanto escolares como extra-escolares.

     Mas o conceito de aprendizagem significativa supõe, antes de tudo, uma mudança de perspectiva radical na maneira de entender o processo de ensino/aprendizagem. Frente à concepção tradicional e habitual de que a aprendizagem do aluno depende diretamente da influência do professor e da metodologia de ensino utilizada, põe-se em relevo a importância do conhecimento prévio do aluno e, em geral, dos seus processos de pensamento. Esses processos sobrevêm, assim, do elemento mediador entre, por um lado, os procedimentos instrutivos ou didáticos e, por outro, os resultados da aprendizagem. A construção de significados que o aluno executa a partir do ensino é o elemento mediador suscetível de explicar os resultados de aprendizagem finalmente obtidos.

     Pois bem, como colocou em relevo Wittrock (1986), numa revisão recente sobre os processos de pensamento do aluno, existe evidência empírica para afirmar que, junto ao conhecimento prévio, existem outros aspectos ou processos psicológicos que agem como mediadores entre o ensino e os resultados da aprendizagem: a percepção que o aluno tem da escola, do professor e das suas atuações; as suas expectativas perante o ensino; as suas motivações, crenças, atitudes e atribuições ; as estratégias de aprendizagem que é capaz de utilizar, etc.  

2- SIGNIFICADO E SENTIDO NA APRENDIZAGEM ESCOLAR

     Utilizamos o termo "sentido" com a finalidade de sublinhar o caráter experiencial que, em boa lógica construtivista, impregna a aprendizagem escolar. A percepção que o aluno tem de uma atividade concreta e particular de aprendizagem não coincide necessariamente com a que o professor tem; os objetivos do professor e do aluno, as suas intenções e as suas motivações ao propô-la e participar dela são em geral diferentes. Há, portanto, todo um conjunto de fatores, que poderíamos qualificar como motivações, relacionais ou inclusive afetivas, que desempenham um papel de primeira grandeza na mobilização dos conhecimentos prévios do aluno e sem cuja consideração é impossível entender os significados que o aluno constrói a propósito dos conteúdos que lhe são ensinados na escola. Uma interpretação radicalmente construtivista do conceito de aprendizagem significativa obriga a ir mais além da simples consideração dos processos cognoscitivos do aluno como elemento ediador do ensino.

     A construção de significados implica o aluno em sua totalidade e não só nos seus conhecimentos prévios e sua capacidade para estabelecer relações substantivas entre estes e o novo material de aprendizagem, ou entre as deferentes partes do material de aprendizagem como assinalou o próprio Wittock (1974) em seu modelo de "aprendizagem generativa".

     Ainda que neste momento tenhamos uma compreensão muito limitada dos processos psicológicos mediante os quais os alunos atribuem um sentido às atividades de aprendizagem, não há qualquer dúvida acerca de sua existência e de sua importância para a realização de aprendizagens significativas. São enormemente ilustrativos a este respeito os trabalhos de Marton e seus colaboradores da Universidade de Gothenburg (Marton, 1981, 1983) e os de Entwistle e seus colaboradores da Universidade de Edimburgo (Entwistle e Ramsden, 1983; Entwistle, 1987). Numa série de investigações dirigidas para estudar a aprendizagem a partir da perspectiva dos próprios alunos - concretamente, de alunos de ensino superior - , estes autores identificaram até três maneiras típicas de abordar ou focalizar as tarefas de aprendizagem, que denominam respectivamente, de enfoque em profundidade (deep aproach), enfoque superficial (surface aproach) e enfoque estratégico (strategic aproach).

     O primeiro apresenta fortes semelhanças com a disposição de realizar aprendizagens altamente significativas, posto que se caracteriza entre outros fatores, porque os alunos mostram um elevado grau de implicação no conteúdo, tentam aprofundar-se ao máximo em sua compreensão e exploram as suas possíveis relações e interconexões com conhecimentos prévios e experiências pessoais. O segundo, ao contrário, apresenta uma certa semelhança com a tendência descrita por Ausubel para realizar aprendizagens pouco significativas e um tanto repetitivas ou mecânicas; os alunos que adotam este enfoque perante uma tarefa determinada preocupam-se sobretudo em memorizar a informação cuja lembrança, supõem será avaliada posteriormente, por aterem-se de forma estrita às exigências ou instruções proporcionadas para a sua realização, por não ser interrogarem acerca dos objetivos ou da finalidade da tarefa, por concentrarem-se em aspectos parciais da mesma e por uma certa incapacidade para distinguir os aspectos essenciais dos acessórios ou circunstanciais. O enfoque estratégico, por último, caracteriza-se pela intenção de alcançar o máximo rendimento possível na realização da tarefa mediante a planificação cuidadosa das atividades, do material necessário, dos esforços e do tempo disponível.

     Á margem do interesse que o paralelismo existente supõem entre, por um lado, as descrições que os alunos proporcionam dos seus próprios processos de aprendizagem e, por outro, as descrições que os psicólogos proporcionam, o fato mais importante que estes trabalhos expuseram, é, como a ponta acertadamente Entwistle, que a adoção de um outro enfoque depende, em última estância, da intenção com a qual o aluno confronta a tarefa concreta de aprendizagem. Uma mesma tarefa, apresentada de forma idêntica a um grupo de alunos, dará lugar à adoção de enfoques de aprendizagem distintos, segundo a intenção destes dirija-se preferencialmente a buscar e estabelecer conexões com seus conhecimentos prévios e suas experiências pessoais (infoque em profundidade) , a memorizar elementos discretos de informação (infoque superficial) ou a fazer render ao máximo o esforço e o tempo disponíveis (infoque estratégico). O mesmo aluno, por outro lado, pode adotar sucessivamente um outro infoque de aprendizagem, segundo a intenção com que execute as respectivas tarefas. É certo que também, o mesmo ensino dirigido a um grupo de alunos pode dar lugar a interpretações muito diferentes e, consequentemente, à construção de significados também muito distintos em profundidade e em amplitude, segundo a intenção com a qual tais alunos participam da mesma.

     Chegando a este ponto, é inevitável interrogar-se sobre a origem da intencionalidade com a qual os alunos abordam as atividades de aprendizagem - ou, voltando à terminologia que introduzimos antes, sobre a origem do sentido que atribuem à sua participação nas mesmas - e sobre os processos psicológicos que intervém em sua formação. Embora naturalmente esteja fora do alcance destas páginas tentar sequer um resumo do que sabemos atualmente sobre fatores e processos implicados na intencionalidade ou sentido que os alunos atribuem às atividades de aprendizagem, tudo parece indicar que são numerosos e complexos e que, neste ponto como em tantos outros, convêm fugir das explicações simples e excessivamente esquemáticas. Éntwistle e seus colaboradores, por exemplo, colocaram em relevo que existe uma certa relação entre o tipo de motivação e os enfoques de aprendizagem que os alunos adotam numa atividade determinada de aprendizagem. A motivação intrínseca, isto é um elevado grau de interesse pelo conteúdo e por sua relevância, costuma ir associada com o infoque em profundidade; quando o que predomina é o desejo de êxito, ou a motivação pelo lucro, o infoque de aprendizagem costuma ser de tipo superficial: finalmente, se o motivo dominante é o medo ao fracasso, cabe esperar o infoque de aprendizagem do tipo estratégico.

     Pois bem, a motivação de um aluno perante uma atividade concreta de aprendizagem é, por sua vez, o resultado de uma série de processos que é necessário indagar. Apelar para a motivação sem mais nada não oferece uma explicação satisfatória. A maneira como o professor apresenta a tarefa e sobretudo, a interpretação que o aluno faz disto em função de fatores tais como o autoconceito acadêmico, os seus hábitos de trabalho e de estudo, os seus estilos de aprendizagem, etc., são, sem dúvida alguns dos elementos - chave a levar em conta. O fato importante a destacar, no entanto, é que esta interpretação tem um caráter dinâmico, não vem dada de uma vez por todas, mas é forjada e modificada no próprio decorrer de aprendizagem. Isto quer dizer que o sentido que os alunos atribuem a uma tarefa escolar, e, consequentemente, os significados que podem construir a respeito, não estão determinados apenas por seus conhecimentos, habilidades, capacidades ou experiências prévias, mas também pela complexa dinâmica de intercâmbios comunicativos que se estabelece a múltiplos níveis entre os participantes, entre os próprios alunos e, muito especialmente, entre o professor e os alunos. Mediante o jogo das representações mútuas, das expectativas que são geradas, dos comportamentos a que estas dão lugar, do intercâmbio de informações, do estabelecimento mais ou menos explícitos e de consenso das regras ou normas de atuação , em suma, mediante o jogo dos processos psico-sociológicos presentes na situação de ensino, vai-se definindo progressiva e conjuntamente o contexto em cujo âmbito o aluno atribui um sentido ao que faz e constrói alguns significados, isto é, realiza algumas aprendizagem com um determinado grau de significância.

 

3 - ENSINAR E APRENDER , CONSTRUIR E COMPARTILHAR

     A linha geral de argumentação que desenvolvemos pode levar com facilidade a inferências errôneas - embora certamente habituais e até certo ponto compreensíveis quando se faz um uso restritivo e reducionista do conceito de aprendizagem significativa - acerca da maneira de entender, planejar e executar o ensino. Com efeito, ao pôr em relevo a importância dos processos de pensamento do aluno como elemento mediador entre o ensino e os resultados da aprendizagem, faz-se necessário revisar a velha crença de que estes últimos são conseqüência direta do primeiro. A idéia essencial da tese construtivista que subjaz ao conceito de aprendizagem significativa é, como já mencionamos, que a aprendizagem que o aluno leva a cabo não pode ser entendida unicamente a partir de uma análise externa e objetiva do que lhe ensinamos e de como lhe ensinamos, mas também é necessário levar em conta, além disso, as interpretações subjetivas que o próprio aluno constrói a este respeito. Daqui a pôr em dúvida a própria possibilidade de ensinar em sentido estrito, a afirmar que o ensino deve renunciar a exercer uma influência direta sobre a aprendizagem dos alunos, a postular que deve limitar-se a pô-los em contato com os conteúdos de aprendizagem para que possas descobrir, inventar, ou construir os significados correspondentes, etc., só há um passo, mas é um passo que ao nosso ver, não se deve dar e que, se é dado, equivale a esvaziar o conceito de aprendizagem significativa da maior parte de sua potencialidade heurística como instrumento de análise e de reflexão psicopedagógica.

     O erro que s comete ao dar o passo consiste em esquecer que os significados que os alunos constróem no decurso das atividades escolares não são significados quaisquer e sim que correspondem a conteúdos que em sua maior parte são, de fato, criações culturais. Com efeito, praticamente todos os conteúdos que a educação escolar tenta veicular - desde os sistemas conceituais e explicativos que configuram as disciplinas acadêmicas tradicionais até os métodos de trabalho, técnicas, habilidades e estratégias cognitivas e, naturalmente, os valores, normas, atitudes, costumes, modos de vida, etc. - são formas culturais que tanto os professores como os alunos já encontraram em boa parte elaborados e definidos antes de iniciar o processo educacional. Aceitar este fato em todas as suas conseqüências implica, nas palavras de Edwards e Mercer (1987),

     "abandonar uma perspectiva individualista sobre o desenvolvimento do conhecimento e da compreensão e adotar em seu lugar um ponto de vista pedagógico que outorga a prioridade à cultura e à comunicação".

     Nesta conjuntura, o problema que se coloca, do ponto de vista do ensino e da aprendizagem significativa, é duplo. Por um lado, o aluno constrói significados relativos aos conteúdos escolares, e a própria dinâmica deste processo construtivo dificulta ou impossibilita as tentativas de que sejam transmitidas de uma forma direta e acabada, mas , por outro lado, a natureza cultural dos conteúdos marca a direção na qual o ensino deve orientar, de forma progressiva, a construção de significados. Os significados que o aluno finalmente constrói são. pois, o resultado de uma complexa série de interações nas quais intervêm , no mínimo, três elementos: o próprio aluno, os conteúdos de aprendizagem e o professor. Certamente, o aluno é o responsável final da aprendizagem na medida em que constrói o seu conhecimento, atribuindo sentido e significado aos conteúdos do ensino, mas é o professor quem determina, com sua atuação, com o seu ensino, que as atividades nas quais o aluno participa possibilitem um maior ou menor grau de amplitude e profundidade dos significados construídos e, sobretudo, quem assume a responsabilidade de orientar esta construção numa determinada direção.

     Quando se despoja o conceito de aprendizagem significativa de suas conotações mais individualistas e se aceita que a atribuição de sentidos e a construção de significados no âmbito escolar - e muito provavelmente em qualquer outro âmbito escolar - e muito provavelmente em qualquer outro âmbito da vida humana - são processos fortemente impregnados e orientados pelas formas culturais e que, portanto, têm lugar necessariamente num contexto de relação e de comunicação interpessoal que transcende amplamente a dinâmica interna dos processos de pensamento dos alunos; quando se aceita esta colocação , a tese construtivista aplicada à aprendizagem escolar adquire uma nova dimensão. Com efeito, a construção do conhecimento é, mesta perspectiva, uma construção claramente orientada a compartilhar significados e sentidos, enquanto que o ensino é um conjunto de atividades sistemáticas mediantes as quais professor e aluno chegam a compartilhar parcelas progressivamente mais amplas de significados com relação aos conteúdos do currículo escolar.

     É evidente que nesta construção progressiva de significados compartilhados, o professor e o aluno têm papéis nitidamente distintos o professor conhece em princípio os significados que espera chegar a compartilhar com o aluno ao término do processo educacional e este conhecimento serve-lhe para planejar o ensinar, o aluno, pelo contrário, desconhece este referente último - para o qual o professor trata de conduzi-lo e, portanto, deve ir acomodando progressivamente os sentidos e os significados que constrói de forma ininterrupta no decorrer das atividades ou tarefas escolares. Em outros termos, o professor guia o processo de construção de conhecimento do aluno, fazendo-lhe participar em tarefas e atividades que lhe permitam construir significados cada vez mais próximos aos que os conteúdos do currículo escolar possuem. O professor é, pois, um guia e um mediador ao mesmo tempo. Estamos muito longe, consequentemente, das concepções de ensino que mencionávamos no começo desta seção.

     Esta visão do processo ensino/aprendizagem supõe um novo respeito a algumas utilizações habituais do conceito de aprendizagem significativa e coloca novas e apaixonantes questões sobre os mecanismos através dos quais a influência educacional é exercida, isto é, sobre os mecanismos que possibilitam que o professor ensine, que o aluno aprenda e construa o seu próprio conhecimento, e que ambos cheguem a compartilhar, em maior ou menor grau, o significado e o sentido do que fazem. Mas esta problemática, que atualmente congrega os esforços de um bom número de investigadores em psicologia e educação , já excede aos objetivos que havíamos nos fixado.

     O nosso propósito era simplesmente mostrar que o conceito de aprendizagem significativa é um instrumento útil e valioso para análise e a reflexão psicopedagógica. No entanto, os argumentos e comentários que fomos indo articulando nas páginas anteriores indicam que , para que possa desempenhar adequadamente este papel, é necessário despojá-lo de muitas das conotações que foram se acumulando de forma sub-reptícia e, ao mesmo tempo, desenvolver outras que até o momento foram escassamente levadas em consideração. Parece-nos de particular importância, de forma concreta, atender tanto ao sentido como ao significado da aprendizagem escolar; renunciar às conotações mais individualistas do processo de construção de significados e sentidos ; e, por último, re-situar este processo de construção no contexto de relação interpessoal que é intrínseco ao ato de ensino.

 

BIBLIOGRAFIA